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segunda-feira, 22 de junho de 2015

As faces do tour: algumas considerações sobre a quinta etapa de 2015

As faces do tour.

Escrever em um blog, e hoje eu sei, não acompanha o ímpeto dos primeiros dias, nos quais o desejo de produzir parece infinito…. Escrever todos os dias é tarefa de escritor profissional, quem procura superar os limites do talento pela perseverança, pelo trabalho contínuo, pelo confronto incansável com o texto… Nem escritor, nem profissional, às vezes encontro-me sem vontade de seguir, imerso nos sites especializados… à procura de algo que se revele novo… Quando tenho dificuldade de encontrar, volto para o tempo em que decidi abrir para o mundo o Abaixo da linha…. Depois do lapso… As faces do tour: algumas considerações sobre a quinta etapa de 2015…. e, nessa toada, travessia..

O tempo…

    O tempo da vida e da história parece-me obedecer o movimento de uma onda que arrebenta na areia… Ora retrocede, acumula força e energia, suga tudo que se encontra à sua frente; ora, expande-se para além, avança sobre a praia, ambiciona o limite, o que nunca fora tocado pela água… O ritmo compassado engole tudo e todos… Homens, famílias, sociedade… Entre a conservação e a ruptura, a vida ganha corpo e densidade… Assim também é com o surf… Esse movimento sinuoso do vai e vem do mar, de pêndulo incansável, autoriza-se para o mundo… Se ele não trai o fluxo das coisas, ninguém, pois, deve, por isso, se sentir traído…

    Suspeito que o surf competição como o conhecemos hoje organizou-se sobre três retas paralelas, cujas peculiaridades incidem, quando vistas e totalidade, no cerne das discussões a respeito do atual momento em que vivemos… Identificá-las e ver a sua legitimidade constitui o primeiro passo para avançar numa discussão que, malgrado os bons críticos de sempre, carrega` consigo um cheiro de mofo insuportável…
    Em linhas gerais, com o risco da caricatura e do traço grosseiro, poderíamos desenhar o cenário a partir da seguinte estrutura geométrica, na qual o paralelismo das retas percorrem o infinito sem jamais se tocarem…
    Na primeira reta, visto por trás do movimento, o surf de linha, a borda cravada na água; à frente, os limites do surf sobre o lip, nos altos e longos áreos em rotação… Ao seu lado, a segunda paralela… Ao sul, a herança das ondas grandes, do vínculo mais profundo do surf com a natureza; ao norte, no contrafluxo do tempo, as ondas pequenas do dia a dia e a costura endiabrada das hot dog… Aqui, a rapidez e versatilidade apresentam para o mundo o fundo da prancha… O drop vertical e reto cede lugar a batida em 12 horas… A terceira e última reta, menos objetiva, sustenta-se em terreno movediço e implica, muito mais, um desenho de postura frente à vida do que, propriamente, uma opção por algum estilo… Estamos diante de um dilema entre o competidor voraz e o indivíduo menos compromissado com a a vitórias, títulos e tudo que isso cerca…

    O campo está assim desenhado… e é bastante tentador operar o julgamento pelo desprezo de algumas escolas a fim de eleger qual o melhor e mais significativo surfista em ação… Sejamos francos: esse movimento é, de fato, relevante?
Isso porque as leis da geometria, como sabemos, não sustentam o empirismo da vida… Retas paralelas, no surf mundial, encostam-se e confundem-se… O que, vez ou outra, é visto em unidade… transforma-se num líquido denso, cozinhado por décadas em fogo baixo…. As partes fundem-se no todo e o juízo seguro e apaixonado por uma dessas escolas ou posturas frente à vida parece obsoleto e sem sentido…

A teimosia do juízo e a partidarização do surf mundial..

Os seis quadrantes do surf de competição, pois, apesar de serem hoje questionáveis quando vistos em totalidade única e pura, cativam corações e mentes de modo a angariar, aqui e acolá, partidários devotos de cada uma das “escolas”. "Esse é merrequeiro, mas muito progressista; aquele é insano, mas a base teimosamente aberta compromete o seu desempenho… Outro, detentor da linha mais polida do circuito, está ultrapassado pelos meninos que giram como helicóptero sobre as ondas…”   A quem acostumado a ler os fóruns especializados aqui e alhures, encontra aos borbotões esses enunciados repetidos em circuito infinito… Para mim, tudo besteira… Qualquer discussão que se inicie com a hierarquização das escolas parece-me enfadonha e algo tola… Afinal Felipe não menos surfista que Owen porque o rapaz não domina ainda as ondas de consequência; Parko, em hipótese alguma, deve algo para Gabriel porque não sabe voar em longos e intermináveis áreos.
    Na mesma toada, o mais espetacular dos surfistas, o camarada loiro do Hawaii, seria menos impactante no circuito do que surf cerebrino de Mick? Sério… Dane, acusado com veemência nos fóruns especializados, deve ser considerado um surfista medíocre porque, em algumas baterias pela manhã, não se realiza como espelho de Slater… Dane é um surfista fora de série… Não ganhar baterias não implica que seja um peso para o circuito… Aliás, se assim o fosse, a etapa de Fiji carregaria algo de inexplicável diante da performance do californiano…

Fiji….

Owen venceu porque surfou melhor, porque ensaia, desde que entrou no circuito, um dia como aquele que deu fim ao campeonato… As belas apresentações do início de sua trajetória no tour; seguidas de um incômodo silêncio, rompido por algumas grandes atuações, bissextas é verdade; não o põem como um surfista canhestro, irregular… Surfa ondas de consequência com sangue nos olhos, possui uma batida de costas para onda para lá de vertical e tem bons momentos de surf progressista… em ondas pequenas? Bom, em ondas pequenas deve algo… A boa notícia é que ele é jovem e o surf atual exige um esforço emancipatório pela totalidade… Não basta, hoje, botar exclusivamente para baixo no oco ou voar em meio metro de ondas mexidas de fundo de areia… é preciso fazer tudo isso junto… Não saber fazê-lo em todas às frentes não implica uma derrota ou o nariz torcido desse ou daquele crítico mais afeito a encontrar no mundo o espelho do seu desejo…  Cá com meus botões, acredito que Slater transformou-se no mito que é, pois foi o primeiro, entre muitos, a apontar o bico de sua prancha para tal objetivo; isto é, o desenho do surf completo, sem arestas… Não será o único, será, isso sim, o primeiro de uma enorme e longa fila…
Vejam o percurso de Gabriel e poderemos constatar que poucos surfistas ampliaram com tanta intensidade o seu repertório… Por maior que seja o talento do menino, o caminho trilhado pelo filho do Charles se faz sobre as pegadas do ET… Talvez seja, justamente, o reflexo refratado desses dois percursos que tenham insuflado algumas comparações entre eles… Aqui, vale menos a idade é mais a obstinação… Não duvido que algum dia o rapaz se encontre na arrebentação, ao lado de JJ, na baia sagrada do litoral norte, num dia grande de inverno…
O fato é que a vitória de Owen, conquistada com notável mérito, configura a constatação de uma tendência pelo surf completo, o mesmo movimento que explica a performance de Itálo… Até outro dia, um aerealista especialista em ondas pequenas…

A consequência…

O surf tornou-se mais complexo, menos aderente ao arbítrio estanque… Insistir na pureza das escolas arranha o terreno do preconceito… Aqui, não existe prevalência… Aqui, parece-me, isto sim, existe quem promete avançar para o controle dos tempos, capaz de fundir o aço das três paralelas numa única e equilibradas esfera. Gabriel ainda é, segundo acredito, o surfista mais apto, hoje, para conseguir esse feito…
A conferir…