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segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Trestle passou, Cascais passou, mas a vida continua…

Trestle passou, Cascais passou, mas a vida continua…


Quando quero saber algo sobre Futebol, o texto que sempre procuro ler é aquele escrito por Tostão… Craque no campo, na medicina e na língua de Camões… Os últimos tempos do camarada, algo incomodado com a vitória acachapante dos alemães na última Copa do mundo, são dedicados a extensas análises técnicas… Os mistérios da distribuição de um time no campo, a necessidade de encontrar  espaços, o movimento harmônico e coeso de uma linha de defesa frente à fome de gol dos excelentes times europeus… Histórias sobre coragem, covardia e heróis foram, paulatinamente abandonadas para ceder lugar a um linguajar tecnicista, algo similar a um manual de eletrodoméstico escrito por engenheiros japoneses… Perde-se o mistério das narrativas, ganha-se em clareza da argumentação… Não posso dizer que sou um amante da objetividade quando se trata de surf, mas creio que; em tempo de tanta discussão sobre critérios de julgamento e defesas apaixonadas sobre esse ou aquele surfista, essa ou aquela escola; não me parece de todo equivocado percorrer os caminhos da técnica para, se tiver sorte, encontrar algo capaz de lançar luz sobre o momento mais intensamente divergente, no que tange as opinões de quem se dedica a entender as forças operantes no universo do surf, dos últimos tempos…
Acredito, por isso, que tenho sido bastante influenciado pelo senhor que tanto admira Guimarães Rosa, Clarisse Lispector e, no mesmo grau, Lionel Messi porque, justamente, eu, afeito a longas crônicas mediadas pela impressão, outro dia percorria os fóruns especializados no nosso mundinho e, confesso, encontrava-me algo entediado com os juízos calorosos dos camaradas, todos animados pelo colossal aéreo de Gabriel Medina na etapa da França. Do sentimento de maravilhamento, absolutamente justificável, com a manobra, até o momento, do campeonato, brotava um conjunto expressivo de análises sobre a decadência do surf de borda e o julgamento, ancorado na década de oitenta, da bancada que confere as notas de cada bateria. 

Por um desses momentos de pura sorte, encontrei, no meio do turbilhão de postagens, um comentário de um assíduo participante das Ondas cujo texto incidia numa análise, muito interessante, sobre o frontside de Gabriel Medina… O texto era curto e conciso, algo que, quem sabe, um dia eu aprenda a escrever… Os adjetivos e os longos períodos compostos cediam lugar a um emaranhado de observações técnicas sobre a postura do corpo do menino de Maresias quando de seus ataques em esquerdas…. Confesso que há muito tempo não lia algo, embora eu discordasse do resultado da análise, tão estimulante para iniciar uma discussão sobre o atual momento do surf mundial… É verdade que não encontrei a elegância do texto de Júlio Adler, a melancolia de Junior Faria e, atualmente, as interessantes observações produzidas pelo site da Surf Portugal ao término de cada dia de competição…. Sobre esse último, diria que; para quem se interessa por ler algo em língua portuguesa e já conhece a produção dos dois primeiros nomes citados na última frase; é um achado diante da falta de imaginação e do discurso algo publicitário dos sites brasileiros…
O fato é que lá estava eu, como de costume, a navegar pelo maior fórum de Eldorado, quando me deparei com aquelas quatro frases…. quatro frases… Como é possível? Pois bem, o resultado dessa descoberta foi sentido pelo desejo incontido de participar da discussão cujo centro de gravidade fazia orbitar, ao redor do comentário, uma série de análises a respeito do posicionamento do tórax de Gabriel, do peso dos pés dele sobre a prancha, da angulação da projeção do bottom turn….Curiosamente, os inúmeros termos técnicos movidos por uma dúzia de camaradas animou-me…. Todavia, achei que haveria mais coisa a dizer e, por isso, resolvi ressuscitar esse malfadado blog…. Entre moscas e silêncio, aqui me encontro…
Sem razão ou compromisso, acreditei que, em meio às arrebatadoras performances de Gabriel Medina em terras gaulesas, seria bom escrever algo mais extenso e que pudesse auxiliar na decodificação do debate em torno do confronto entre o surf progressivo do Brazilian Storm (Não vejo prejuízo legal de usar essa expressão, ainda que ela se encontre sob proteção das normas da propriedade privada) e o outro da velha guarda, desenhado pela borda cravada na água em longas e perfeitas rasgadas. Apesar de não ter preferência por nenhuma dessas formas de expressão, afinal surf é sempre uma forma de expressão, suspeito que está em jogo, de fato, uma cisão entre estilos, nada mais… Como tal, cada lado da contenda encontra os seus representantes mais emblemáticos, quem, por talento e técnica, inscreve-se como símbolo máximo e representante legitimo desse ou daquele grupo. No caso, a despeito da qualidade dos demais, da atual posição no ranking e da história pregressa, o que move corações e mentes se encontra encerrado entre Mick Fenning e Gabriel Medina.
Não é, pois, incomum encontrar longas análises ou comentários apaixonados sobre a mais recente troca de guarda do circuito profissional… Australianos, americanos, havaianos e, agora, milhares de brasileiros levantam argumentos, aqui e acolá, para sustentar preferências que, muitas vezes, podem ser resumidas numa luta renhida entre os adeptos do estilo e os camaradas que encontram, acima da linha da onda, o novo endereço do surf mundial. Mick seria o rapaz de estilo refinado, centro de gravidade baixo, capaz de alinhar uma manobra na outra com força e velocidade. É claro que o surf dele é bonito de doer os olhos. Embora suspeite que, justamente, pelas mesmas causas que o levaram a definir, com extrema precisão, o seu modo de expressão sobre uma prancha de surf, ele encontrou um limite que jamais lhe permitirá encontrar os espaços abertos pela nova escola…
A compreensão corporal de Fanning foi desenvolvida para alinhavar uma manobra a outra abaixo da linha da onda… A força de seu pé de trás esta limitada pela curvatura do tórax que o faz sempre buscar a rasgada no lipe, e, quando muito, a batida de fundo. Ele não se projeta para além porque se encontra limitado pela conjunção de características de seu surf. Já Gabriel, muitas vezes acusado de possuir um estilo de surf mais grosseiro, justamente porque surfa mais ereto, ainda que com o corpo levemente inclinado para frente, encontrou um modo de surfar menos equilibrado esteticamente, segundo o padrão da escola do surf de borda, no entanto, acredito, mais incisivo… A força de suas pernas, sobretudo, a impingida no pé de trás desconcerta o que sabíamos sobre postura de um surfista…
A diferença, aqui, parece-me ocorrer entre a força de Gabriel e a rapidez de Mick. No geral, acho as manobras do filho do Charles mais impactantes no que tange a energia desprendida em cada movimento. O três vezes campeão mundial, muito mais plástico e rápido, ainda que admire muitíssimo o seu surf, não consegue o mesmo efeito. Todavia, a posição do corpo do australiano somada à enorme técnica revela, na maioria das vezes, mais organicidade às suas manobras... Talvez seja isso que provoque, no terreno da hipótese, a sensação de um surf mecânico para muitos....O que, diga-se de passagem, discordo completamente... Mick surfa muito e parece-me ser a síntese de anos de acumulação… Mick, isso sim, é a melhor e mais emblemática expressão da escola que se realizou com a prancha cravada na água…. Gabriel, por sua vez, nasceu sem ter por trás dele nenhuma tradição que lhe justificasse a existência. O talento dele é o mesmo dos desbravadores… Em Gabriel, tudo está para descobrir-se… E cada ano, ele parece surfar mais rápido sem perder força no seu ataque... No caso, acho que Mick tem mais a aprender com o garoto, pois, como disse, o seu desenvolvimento parece-me ter um limite construído, justamente e de modo algo paradoxal, ao estilo refinado e equilibrado de seu surf... Gabriel não surfa feio ou sem o brilho dos maiores representantes do estilo.... O surf dele, ao contrário, parece um daqueles carros de corrida em que se retiram todos os apetrechos, estéticos ou não, para atingir a melhor performance possível...Veja, o corpo projetado para frente, nos últimos tempos, não busca o aéreo, mas, sim, a porrada na onda mais profunda e violenta... E, de fato, ele parece fazer isso como poucos.



Ps: E Felipe? Sobre Felipe, volto em outro texto….