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sexta-feira, 24 de abril de 2015

A conquista de Adriano

Texto Publicado em abril de 2015 após a vitória de Adriano na terceira etapa da temporada de 2015



"O estilo nem por sombra corresponde a um simples culto da forma, mas, muito longe disso, a uma particular concepção da arte e, mais em geral, a uma particular concepção da vida.”
Tolstoi…
Adriano e o estilo...
O surf antes de ser um esporte competitivo, antes mesmo de ser um esporte, é uma atividade humana que se realiza em expressão. Basta subir numa prancha, manter o equilíbrio e cortar, como faca na manteiga quente, uma parede lisa que se abre infinita à nossa frente para que o surfista seja impelido a traçar movimentos que, independente da qualidade técnica, revelam algo do seu caráter… Isso acontece todos os dias, em todas as praias, com qualquer um que se aventure para além da arrebentação… Quando assisto a um surfista, sempre sou levado a analisar os traços recorrentes de sua linha… E mesmo que não queira, lá estou a desenhar o contorno de sua personalidade expressiva a partir das evidentes características de seu surf… Poucos são aqueles que, no frigir dos ovos, escapam desse axioma… Poucos têm uma relação tão direta entre estilo e caráter como Adriano de Souza…
Adriano e a rasgada…
A terceira etapa de 2015 já havia deixado por terra muitos favoritos e a maioria dos brasileiros… O mar quebrava forte e perfeito nas águas frias da Australia e mesmo a incompetência do comissário para fazer valer o único critério aceitável para decidir onde o campeonato deveria acontecer não impedia que assistíssemos um belo espetáculo… Afinal, qualquer criança sabe: o melhor surf acontece onde existe as melhores ondas… Certamente nessa semana, a mítica The Box perdia por uma cabeça e meia de Mainbreak… Pela barba e pela altura, devido que alguém creia que Perrow seja uma criança… E se ele não é isso, assusta-me que seja intitulado o homem a decidir as condições ideais para uma etapa do circuito mundial…
Se João João encontrou aquele tubo, se o E.T. foi o que esperávamos dele, se Jay Davis foi uma bela surpresa; o mesmo não aconteceu com o restante da tropa… Algumas injustiças foram cometidas, ainda que a máxima “com um limão, fazemos uma limonada” não deve servir, no caso, para justificar a tese de que o talento sempre se fará presente diante de qualquer condição de mar, vento ou estupidez de um comissário…
Enquanto os camaradas caiam; enquanto assistíamos, mais uma vez, Gabriel perdido… O que, afinal, acontece com o menino?; enquanto vimos Mick e Felipe perderem a camisa amarela; Adriano, pelas beiradas, apresentava-se com sangue nos olhos e faca nos dentes… A cada bateria dele, eu, confesso, admirava-me… O tubo imenso que o rapaz pegou resultou num dos gritos mais guturais que proferi em minha vida… Ninguém se mete numa craca daquele tamanho e com aquele desenho se não quer provar algo para si mesmo ou, minha hipótese, para o mundo.
O fato é que Adriano nunca foi aceito pelo universo do surf competitivo, pelo menos por quem organiza e comanda o circuito… O único momento em que essa verdade sofreu algum arranhão ocorreu quando lançaram aquele vídeo no qual se mostrava a infância pobre do menino do Guarujá. Ocorreu, é verdade, alguma comoção entre os seus pares, mas que não foi capaz de conferir qualquer simpatia para aquele competidor voraz em que se transformou Adriano…
Durante esses anos no circuito, qualquer deslize foi sempre comemorado pelos seus adversários de um modo algo dissonante… Como não lembrar, apenas para exemplificar a tese, do riso sarcástico de CJ, enquanto Adriano chorava de ódio, após a virada em Fiji nos momentos finais… Por isso, acredito que há, no surf do camarada, uma raiva contida, uma forte expressão de violência que, admito, somente se revelou por completo para mim quando li a seguinte sentença, em uma recente entrevista para o Waves: "Acho que cada um tem uma personalidade e cada um pode ser criativo de um lado. Eu estou tentando cada vez mais ter esse surf mais agressivo e mais power. Quanto mais pra mim é melhor e é o que eu estou buscando. Enquanto isso, outros atletas estão buscando a modernidade. Então, é claro que eu também corro atrás disso para tentar melhorar um pouco esse meu estilo, mas com certeza o meu foco mesmo é sempre melhorar o power."
Adriano parece ter encontrado, em 2015, a fórmula de sua resposta para o mundo do surf competitivo em particular e a vazão exata de seu surf expressar-se de modo geral… De exímio aerealista na juventude, Adriano veio, ano a ano, a aprimorar cada um dos fundamentos necessários para que toda sua força se expressasse em plenitude… Para mim, sempre há um momento em que tudo se cristaliza, sempre podemos revolver o passado para encontrar nele o exato instante em que nada será como antes…. No caso de Adriano, a segunda onda das quartas, contra o maior de todos os tempos, foi a mais preciosa expressão do esforço sobre-humano, nas palavras de Julio Adler, da luta desse camarada contra um sistema que, a despeito de tudo, não gostaria, nem um pouco, de vê-lo campeão mundial…. Digam-me: O que foi aquela manobra? No lip, com força, com raiva, num tudo ou nada contra o E.T.?!!!
Sempre torci para Adriano, embora, suponho que o mesmo tenha acontecido com alguns de vocês, ele jamais foi o meu surfista predileto… Embora confesse que a minha simpatia pela sua determinação somada à beleza de suas cavadas fossem, em linhas gerais, os principais predicados de minha torcida, admito que algo mudou durante as primeiras etapas do circuito de 2015. A determinação é a mesma de toda vida, mas o surf…. o surf está em outro patamar…
Não costumamos referimo-nos a Adriano como o surfista mais espetacular, como o surfista mais moderno e acrobático… Quando olhamos para ele, vemos, isso sim, todas as qualidades necessárias a um competidor que deseja vencer… Agora, parece que o fluxo do rio desemboca em outra foz… Vemos, depois das últimas apresentações, alguém que pode ganhar de qualquer um, em qualquer etapa, a qualquer momento… Uma dúvida que, diga-se de passagem, nunca foi dele…Vemos a consolidação de um surfista singular que exige muito respeito, e se não derem, ele arranca a fórceps…
O último dia…
A camisa amarela está garantida… João João abriu o dia e disse para o que veio.. Como surfa o filho predileto do arquipélago… Sempre achei que um surfista pode perder uma bateria, mas no pode deixar dúvidas sobre a sua capacidade. O camarada venceu e arrebentou… A primeira peça da final…
Veio Taj… A primeira lembrança que tenho de Taj é um vídeo, quando ele com apenas 17 anos, surfava uma etapa da divisão de acesso em Margareth… Surfava tão rápido… mesmo com o mar chuvoso e algo deformado. Taj foi, anos atrás, o que Felipe Toledo é hoje… a revolução… Sempre achei que seria campeão mundial, mas, ao contrário de Adriano, nunca me pareceu querer ganhar… Hoje e definitivamente para todo sempre… Não basta talento… tem de ter sangue nos olhos e facas nos dentes… A final completa-se com a última peça… Somente penso: campeonato mundial é consistência e ninguém tem mais consistência nesse início de ano do que Adriano…
A final…
Comemorou com os seus… comemorou conosco… Gostaria muito de vê-lo campeão… Só depende dele… Que Adriano venha com a força de sempre, a determinação que lhe marcou a carreira até aqui e, sobretudo, com a raiva com a qual impede que o mundo lhe diga qual deve ser o seu limite…

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