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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

E Portugal.... um artigo em tempo de espera...

E a promessa de escrever ao fim de cada etapa do tour, como tantas outras, escorreu pelos meus dedos… Assim foi, assim é e, suspeito, pouco poderei alterar o futuro… Afinal, presos, estamos às nossas próprias engrenagens… Entretanto, o tempo tem lá suas armadilhas e a etapa de Portugal, mesmo distante algumas semanas e separada pela notável vitória de Miguel em Maresias, merece ainda uma análise… E, por ser algo teimoso, creio que um texto sobre o que aconteceu em Super Tubos ainda pode resistir à urgência da notícia fresca e fazer-se interessante…
Hoje, tirei o fim de tarde para escrever nesse malfadado blog, sobre os acontecimentos que tomaram de assalto o circuito de 2015 após a etapa de Peniche… Encontro-me em Israel, a trabalho, e com os afazeres realizados nessa segunda-feira, resolvi sentar-me em Yaffo, num café, em frente à praia… Pasmem, camaradas, mas deve haver umas quarenta cabeças no line up… O mar é pequeno, mexido, com ondas de apenas meia manobra… Há pranchões, roupas de borracha coloridas e algumas meninas a disputar o que, temo, seja um dos melhores mares do ano em Tel Avive… Do meu lado esquerdo, uma mesquita do século XII; à minha direita, avistam-se as enormes torres modernas da capital de Israel… Se não estivesse de terno e com um jantar de trabalho marcado, teria alugado, isto mesmo, alugado uma prancha e caído nesse mar…. O tempo, no entanto, é curto e esse artigo tem de sair hoje…
O fato é que, aqui, encontro-me comprimido entre o passado e o futuro, entre tempos distintos, concentrados, à minha frente, na multidão de surfistas israelenses que esperam ter sorte na próxima ondulação… Aliás, o surf, em 2015, nada mais é do que a tentativa de encontrar um equilíbrio entre os tempos que se sobrepõem, de modo insistente e reiterado, no presente… Embora a história moderna do surf, descontada a arqueologia dos antigos reis do arquipélago, tenha pouco mais de meio século, é notável como ela realiza-se metonímia daquilo que todas as antigas cidades do mundo, inclusive Tel Avive, encenam em suas vielas: o incômodo encontro entre a alta tecnologia e edificações para lá de antigas…
No mundinho do surf, esse encontro ganha corpo quando assistimos à evidente disputa entre a borda cravada na água e o domínio do espaço aéreo.. De um lado, a mesquita; de outro, arranha-céus… Em sintaxe do circuito, Mick e, por que não, Adriano versus Medina, Felipe e, quem diria acontecer tão cedo, Ítalo… Embora eu encontre fervorosos defensores, aqui e acolá, dessa ou daquela escola; sejamos honestos, surfista bom, realmente bom, tem de ser capaz de dominar todas as formas de expressão… Slater que o diga…. e, a seguir as pegadas do E.T., o filho de Charles… Qualquer outro pretendente a seguir esse caminho, a despeito do resultado final em Pipe, tem de comer ainda muito arroz com feijão… Afinal, seria possível, sem qualquer perda, eleger um tipo de edifício como mais belo? Vidros espelhados ou tijolos feitos à mão? Faca quente a cortar manteiga ou giros em rotação infinita? Façamos um exercício e separemos os rapazes do tour em categorias… o resultado seria bastante controverso… Quem domina o surf de borda, na coluna da direita…. Quem convive com harmonia sobre a linha da onda, à esquerda… Quem estaria nas duas? Kelly, Medina, Julian, J.J. e Owen… Mas apenas os dois primeiros surfam assim em alta performance competitiva…. pelo menos, durante muitas e muitas etapas… Logo…. vamos para Peniche…

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Portugal é um pais muito diferente daqueles que ocupam o continente europeu, seja porque a sua língua soa estranha até mesmo para os seus vizinhos que discorrem sobre a vida em espanhol, seja por que a terra de Camões exala uma enorme melancolia do império perdido… Ao locomover-se por Lisboa, é possível sentir a devoção por uma passado que não encontra endereço no presente… O culto ao que decorreu, à tristeza do fado e, sobretudo, ao período de glória e força está em toda viela e esquina da capital… E, por isso, não seria um equívoco dizer que a brisa do Tejo, o rio que corta aquela aldeia, atinja, sem muito, as demais regiões de Portugal…  É, camaradas, Peniche, nesse caso, é apenas a comprovação da regra… Uma pequena cidade marítima, desprovida de riquezas materiais, que ainda não encontrou o século XXI… Exceção feita ao campeonato que, por aquelas veredas, ocorre entre os meses de setembro e outubro, a depender do calendário da WSL…
Para nós brasileiros, a viagem para Peniche deveria ser a primeira entre tantas que realizamos para encontrar alguma alegria sobre a prancha… A língua, a entendemos; as pessoas, amigáveis e cordiais; o surf é de primeira, com ondas para todos os lados, habilidade e gostos… Peniche, por exemplo, sempre possui terral, de um lado ou outro da península, não há quadrante que não encaixe em ondas longas e tubulares. Vá lá… o mar é gelado, mas e daí? As roupas de borracha estão cada vez mais leves e, pasmem, confortáveis…
O ritmo de Portugal é lento, os jovens, na maioria, emigraram, tal qual sugeriu o ministro do trabalho do país há cinco anos atrás, para outras veredas a fim de encontrar futuro e ganha pão… Tudo parece algo do Brasil da década de setenta, início dos anos oitenta… Estradas de barro ao lado de extensas rodovias, carroças que concorrem com automóveis e onda, muita onda e sem muitas cabeças na arrebentação… Por isso, é estranho ver o circuito chegar com seus palanques enormes, propagandas de mais de metro com rostos conhecidos estampados por toda parte… Um espetáculo estranho, mas que, noves dentro, noves fora, tem a sua graça, ainda mais no ano mais disputado da história…

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Gabriel ainda não é uma carta fora do baralho, mas, sejamos francos, ele fez uma das mais brilhantes recuperações da história do Tour. Com cabeça no lugar, quem irá pará-lo? Quem? É verdade que Ítalo é um surfista enorme, com reais chances de levar esse caneco um dia, mas aquele malfadado mar em que aconteceu o campeonato estava mais para um derby no jockey club do que uma etapa decisiva da WSL… Vai entender as razões que movem os comissários de prova… Mudam-se os nomes e rostos, permanecem os equívocos e a coluna vertebral de geléia… Ítalo surfou melhor e poderia ter surfado igualmente superior em condições mais adequadas à disputa do caneco em 2015… Não duvido, e acredito, cada dia mais, no surf do Potiguar. Todavia, as ondas deveriam ser à altura da contenda… se não foram, deveríamos investigar… pois Baleal e Pico da Mota quebraram lindo…Para mim, palanques deveriam ser apenas lugares confortáveis para os atletas descansarem, e, não, determinantes para realização de uma etapa… Se o livro de regra diz outra coisa, errado, o livro de regras….
Felipe ganhou, mas não me convenceu ainda… O rapaz de surf limpo e sensivelmente rápido pode ganhar o título em 2015, mas ainda deve provar que consegue encontrar a sintaxe adequada para as ondas de consequência… Se não fizer isso antes de consagrar-se campeão mundial, recairá sobre ele a soberba anglo-saxônica da eterna dúvida sobre um brasileiro… Se ganhar Pipe acima de dez pés, não terá nada a temer; caso não o faça, sei não… O fato é que Felipe é um dos surfistas mais cativantes do circuito…. Surfa com a prancha grudada nos pés e rápido como poucas vezes vi alguém ser… Mas isso é suficiente? 
Uma vez Charles disse-me que Gabriel fora acolhido pelos seus pares… Convenceu-me do argumento, meses antes do título de 2014, com um cem número de exemplos, os quais envolviam J.J.; C.J. e Parko… À época, não entendi muito bem o desenrolar daquela prosa, mas, hoje, vejo que Felipe também foi incorporado… Muito tem se falado sobre o rapaz, e sempre de modo positivo… Todavia, Felipe deve almejar o céu, e, não, um título… Ser completo, ser unânime… Somente Gabriel parece, entre os brasileiros, ambicionar esse status… Nem Felipe, nem Adriano, a despeito da faca que possui entre os dentes, revelam a fome do filho dileto de Maresias por tornar-se história. Ora o espetáculo, ora o caneco… Os dois caminhos, é verdade, são dignos e completamente legítimos… Todavia, mitos são feitos de outra matéria…
O fato é que Felipe burilou o seu surf com tanta rapidez e eficiência que não existe alguém, em sã consciência, capaz de não permanecer congelado frente ao que ele realiza…. Lembro-me de Felipe, ainda garoto, e do seu modo de portar-se durante uma competição de grommets. Era bonito de ver a sua perseverança em divertir-se no mar… Nessa mesma competição, todavia, estava Gabriel com seus quatorzes anos… Medina" queria vencer, queria tanto que era raro vê-lo sorrir entre uma bateria e outra… Havia, nele, não somente uma inteligência competitiva, mas uma obstinação rara para um jovem adolescente… Enquanto Felipe desejar, sobretudo, o espetáculo, algo que ele parece ter sido talhado a realizar, ele não entrará para história… não do mesmo modo que Gabriel almeja entrar e que Slater, de fato, entrou… Felipe precisa dedicar-se às ondas de consequência com a mesma obstinação que deseja ser o melhor surfista de Trestle… Receio que Ricardo saiba disso e impulsionará o seu talentoso filho para a disputa entre os melhores surfistas já existentes no tour… tomara, tomara….

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Adriano, nunca torci tanto por alguém como torci e torço para esse camarada… O caneco de 2015, por mim, seria dado para mineiro sem qualquer razão ou explicação. Simplesmente, acho que ninguém merece mais esse título do que o mais determinado dos surfistas… É notável como ele desenvolveu o seu surf nos últimos dez anos… lindo de ver… Entretanto, nenhum outro surfista desperdiçou tantas chance de liquidar a fatura como Adriano… Toda vez que ele se encontrou à frente na disputa, sem exceção, parece ter perdido algo imprescindível para os campeões: a concentração… Adriano é um caçador, daqueles que ninguém gostaria de ter em seu encalço… Parece ser alimentado pela busca do primeiro lugar, mas parece  não ter encontrado qualquer conforto quando alcança tal objetivo… Uma vez, ainda na primeira perna do tour, sugeri que procurasse Charles para treiná-lo no restante de 2015… Achei uma boa idéia, e ainda acho… mas Gabriel voltou e essa improvável parceria desfez-se em ar rarefeito… Em Pipe, Adriano estará só, à caça… e talvez isso seja suficiente para torná-lo campeão… Se isso acontecer, farei cinco dias de voto de silêncio entre os meus, em reverência ao maior exemplo de obstinação que vi em qualquer esporte, especialmente no surf…  

Que venha o arquipélago, onde crianças separam-se de adultos… E, se estiverem comigo, camaradas, torçamos para que o caneco seja de quem, de fato, o merece….

Ps: amanhã, se conseguir, caio nesse mar….


10 comentários:

Anônimo disse...

Muito legal o texto João, seria interessante você inserir algumas fotos dos locais por onde viaja, inclusive essas em Israel.

João Guedes disse...

Amanhã, posto. Tirei algumas fotos. Mas amanhã, cairei nesse mar... Decidi. Vou comprar uma prancha de um shaper de Israel, para minha coleção

Anônimo disse...

Texto muito interessante...

raimfons disse...

Belo texto

Arthur disse...

Muito legal o texto, João.
É realmente complicado para os surfistas na corrida pelo título que o campeonato tenha sido disputado naquelas condições, a contestação nesse sentido feita por Julian e Owen em suas entrevistas tem fundamento. Fanning ainda foi alvo de um julgamento duvidoso. De toda forma, imagino que tanto Ítalo como Filipe teriam ido longe no evento. Além disso, foi dito que os próprios atletas é que decidiram cair na água no dia final. No entanto, nada disso isenta a responsabilidade da WSL pelos calls polêmicos esse ano, principalmente quando se sabe que, por vezes, em algum lugar próximo as ondas estavam bem melhores.
Sobre Filipe se tornar um surfista completo, acho que só depende de sua própria vontade, até acho que é subestimado em ondas grandes, visto que surfou bem em Pipe ano passado e em The Box esse ano, ambos mares com bom tamanho. É fato que falta o domínio completo em condições mais extremas, mas o potencial está ali. A grande diferença dele para o Medina é que Gabriel parece ter nascido com um talento bruto para domar esses mares, não precisou tanto de correr atrás nesse sentido, só aparou algumas arestas. Inclusive, estava assistindo um "Cravando a Borda" do Woohoo no youtube esses dias e o Bocayuva falou que, em entrevista, o Slater observou que Mineiro foi um cara que buscou se aprimorar em ondas maiores e tubulares, enquanto que Gabriel já chegou dominando tais condições de maneira natural, além de alertar que Toledo tem que correr atrás de aprimorar esse aspecto de seu surf.
Não polarizo tanto a competitividade de Gabriel e a fixação de Filipe pelo espetáculo, pois tanto este último só arrisca tanto porque sabe que seu percentual de acertos é enorme, sendo o risco mais calculado do que parece, como Medina só é tão letal e obcecado pela vitória com a lycra de competição por saber que é capaz de desequilibrar baterias na base do espetáculo, quando necessário.
É isso, que vença o mais merecedor em Pipe, é muito difícil arriscar um palpite, Medina seria o grande favorito se não dependesse tanto dos outros, mas do jeito que está é complicado demais tentar fazer qualquer tipo de previsão, tudo vai depender muito do chaveamento, dos wildcards, etc. Filipe só precisa fazer o seu, mas é o que mais tem coisas a provar no Hawaii, que, em ano de El Niño, deve bombar, vai ter que se jogar. Fanning lida bem com a pressão e, apesar de não ser um dos melhores nas ondas de Pipe, assim como ADS, é capaz de chegar nas fases finais de um campeonato num piscar de olhos, qualquer que seja o mar. Adriano tem minha torcida, mas perdeu várias oportunidades esse ano, não pode mais chegar na etapa vacilante, pois depende muito do seu estado emocional, o que pode ser perigoso em um lugar onde já não é dos favoritos. Julian e Owen, só um milagre, apesar de acreditar que, juntamente com JJF, Kelly, Wiggolly e mais alguns nomes, serão surfistas cruciais para definir quem será o vencedor.

João Guedes disse...

Valeu... camaradas... Muito bom ler os comentários por essas veredas... muito bom...

Anônimo disse...

Eu vejo o Filipe como o Rob Machado no início da carreira. Um surfista taxado de merrequeiro, mas com talento inegável. Machado ganhou um Pipemaster. Aposto que o Filipinho também ganhará. Até o Shane Dorian fez bateria de 0.0 em Pipeline. Achei que pegaram pesado demais com o moleque, mas por outro lado é bom que deixou ele instigado. Esse moleque tem DNA de campeão. No ano que ele nasceu o pai dele foi campeão brasileiro profissional e ganhou um carro zero. Aquele foi o segundo carro zero, o primeiro veio no ano em que o irmão mais velho nasceu. Sem falar que essa geração do litoral norte paulista tem faro pros tubos. O tempo provará que os críticos estão errados.
Grande abraço,
Daniel Neris

Anônimo disse...

Também confesso que torço muito para o Mineiro ser campeão esse ano. Acompanho a carreira dele desde o início e sei o quanto ele trabalhou para lapidar o surf dele aos quesitos da ASP. Talvez por isso seja tão criticado: Por fazer o que os juízes querem ver. Mas poucos se lembram de que quando ele entrou no tour veio com um jogo totalmente inovador, fez um terceiro logo na primeira etapa e passou a contar com a má vontade dos juízes, assim como o Jadson após vencer o Slater na final no Sul, e teve que mudar totalmente a sua abordagem para tirar notas altas. O próprio Medina mudou suas pranchas para favorecer o power surf e vemos ele tentar e, principalmente, completar muito menos aéreos.
Abs,
Daniel Neris

Anônimo disse...

Muito boa Analise João, grande abraço

CASSIO disse...

Se tu procuras Tostão pra ler sobre futebol, eu recorro aos teus textos para ler sobre o esporte dos reis da Polinésia, João! Sempre é bom passar por aqui e respirar algum oxigênio "não-contaminado", como muito vemos nos fóruns pelos 4 cantos do mundo. Como era antigamente (estou com 46 y.o.), onde as fotos catalizavam o processo de sonho, e os longos textos da revistas nos revelava o doce exercício da imaginação. Um grande Aloha!!