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domingo, 26 de abril de 2015

Jadson... o filho de Peterson...

Publicado setembro de 2014


A consciência de que não somos o sanguinolento.
Mar pequeno, prancha novinha, sol. Entrei como criança, depois de uns 20 minutos a passar parafina, imaginando as manobras que, quem sabe, conseguiria fazer nos próximos meses. Sonhava com a minha evolução enquanto transferia, magicamente, as qualidades daquela 6,2 para o meu surf de 41 anos, intermitente e sem muitas possibilidades reais de encontrar dias melhores do que aqueles vividos na juventude. Resultado, a coluna travou. Coisa de velho que, por pura tolice, acha que tem 18 anos. Três semanas de molho, viagem para o Havai cancelada, passagem desmarcada…. O médico foi categórico, frente à minha completa insegurança de ficar em pé: se fosse uma viagem curta, você poderia ir… Por puro egoísmo, maldisse quem planejou o arquipélago como palco final desse campeonato de 2014. Se fosse entre o Rio de Janeiro e Santa Catarina.. ah, se fosse… Egoísmo senil…
Na cama, entre uma série e outra, um filme e outro, algumas páginas de um romance velho; eu resolvi publicar alguns textos que escrevi e nunca postei. O primeiro deles, um texto sobre Jadson André, escrito antes de viajar para Peniche. O vídeo acima somado à dor constante pareceram-me motivo suficiente. O determinante, contudo, é a reminiscência do sorriso maroto do rapaz, na Tasca do Joel: você não verá esse campeonato, meu! Nem a final em Portugal, nem a sonhada temporada em Oahu. Que o vatícínio do camarada não se estenda por 2015….
Vá lá.
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Quando a qualidade impõe uma revisão de parâmetros
Quando se faz o balanço sobre a carreira de um atleta de alta performance, é natural que analisemos, além dos seus resultados, o momento em que se divide o tempo, o antes e depois. Às vezes, não precisamos estar diante de um E.T., cuja história, de tão extraordinária, parece inverossímil para identificarmos algo que saiu do previsível, que, pela sua significação, se revela um rito de passagem, um adeus ao passado ou um flerte com o futuro.
Jadson André é um desses camaradas que, aos pés de seus 26 anos, coleciona alguns desses momentos. Bastasse apenas um, coisa rara hoje em dia, para que o rapaz, boa praça e generoso com os seus, fosse lembrado nos livros de história. O começo relâmpago na divisão de acesso, o backside nervoso e afiado na África do Sul, quando ninguém acreditava ser ele capaz de fugir da regularidade dos aéreos em ondas pequenas, o campeonato vencido no Brasil e…, depois disso, um certo ostracismo. Não me lembro, nos últimos tempos, de um estilo de surfar ter sido vilipendiado como o do menino do Rio Grande do Norte. Exceção feita a Peterson Rosa, creio. Surfava no oco, fazia na onda coisas inacreditáveis, embora tudo isso fosse visto como algo menor perante o seu estilo, algo abrutalhado. Fazer o quê? Peterson sempre foi um dos meus surfistas prediletos.
Suspeito, e aqui é realmente uma suposição, que, a despeito dos recados dados nos primeiros anos, nós brasileiros ficávamos algo desconcertados com o modo pelo qual a sua prancha insistentemente interrompia o fluxo natural entre a base e o lipe. Havia, no ar, certo pesar em não encontrarmos na nova geração; pois, pasmem, Jadson já foi considerado da nova geração de surfistas brasileiros; um sucessor à altura do estilo de Fábio Gouveia. Sempre desejamos, outra suposição, que nossos surfistas fossem equivalentes, em estilo, àquele de alguns falantes de língua inglesa. Ser progressista, ter coragem, surfar com o fundo colado no lip nunca foram qualidades suficientemente valorizadas por nós. Se há arestas a aparar? Claro. Se, a despeito de um juízo equilibrado, desmerecemos os nossos porque não aguentamos comparar-lhes ao surf de primeiro spalla de Joel ou de Fanning; isso, sim, deveria suscitar certa reflexão
Parece que, em algumas situações, os fóruns especializados, daqui e de outros mares, foram muito pesados com Jadson. Isso não implica afirmar que a crítica, quando construtiva, não deva existir. Por vezes, precisamos que alguém olhe para aquilo que nós mesmos não conseguimos enxergar, pois só assim há evolução. O problema surge quando, depois de sacramentados todos os juízos, costuramos um veredito final a respeito de alguém e algo novo, inesperado, surge para emabaralhar tudo aquilo que supúnhamos saber. E ai, meus caros, o que devemos fazer? Pôr tudo em suspensão para alinhavar os fios que se soltaram pelo caminho. Essa é a minha hipótese.
A remada.
A etapa do Tahiti será lembrada, esse é o grande esforço da mídia especializada e com todas as justificativas, como a maior de todos os tempos. Dos dias de competição, pelo que vi e li durante as minhas incursões no vasto e sombrio território da web, três acontecimentos ficaram e permanecerão na memória: a semi-final entre o sanguinolento e o diabo loiro; o atrevimento e a coragem do grandalhão australiano e a vitória da maior esperança do surf brasileiro. Concordo com tudo. Afinal, fiquei paralisado com a luta do homem de 42 anos contra o moleque de Oahu; estupefato com a irresponsabilidade do irmão da talentosa surfista aussie e, sobretudo, enlouquecido e sem voz com o coroamento do filho do Charles.
Todavia, o que não consigo esquecer, o que me enche de admiração, é o momento em que Jadson, num mar enorme, depois de cair em uma onda, dispensa o apoio do JetSki e vira a sua prancha em direção à arrebentação. Por cerca de dois minutos, o camarada crava com força e velocidade as suas mãos na água. O ritmo da remada era acompanhado pela perplexidade dos narradores em língua inglesa frente à tamanha ousadia. Simplesmente, eu não conseguia acreditar no que estava a se passar. Afinal, Jadson não é exatamente um touro. Estatura mediana e relativamente magro. Como era possível naquele mar, no qual muitos integrantes da elite, de modo nem sempre sutil, puxaram o bico de suas pranchas, um surfista que colecionava inúmeros 13º lugares, com fama de merrequeiro e taxado como alguém que não merecia um lugar do WCT fazer aquilo? Como era possível? Que sentimento era esse que o fazia desafiar aquelas ondas, de peito aberto e olhar fixo?
Ali, Jadson contrariou a natureza, as vezes em que não conseguiu passar do terceiro round, o olhar cínico de seus críticos… O que eu vi, ainda que essa não fosse a intenção dele, era alguém a dizer com voraz contundência: é meu!, é meu!
Lembrei-me imediatamente de um conto de Rubem Fonseca, O Cobrador, o qual recomendo vivamente a leitura. Trata-se de uma pequena narrativa em que um homem sai pelas ruas de uma cidade grande reivindicando tudo o que acreditava ser seu e que lhe fora sempre negado. Jadson, naqueles dois minutos no Tahiti, entrou definitivamente nos meus livros de História como um dos surfistas mais corajosos e determinados que tive a oportunidade de acompanhar. Do Rio Grande do Norte, de ótimas ondas de 1 metro, para a Ilha Rei, o combustível que animou esse menino de sorriso fácil foi um atributo, nem sempre lembrado como essencial para quem compete entre os grandes: a força de não quebrar jamais. Peterson deve estar orgulhoso de ver parte de seu sangue a correr nas veias de Jadson. Eu, por minha vez, de todo aquele campeonato, lembro, sobretudo, dos dois minutos rumo à arrebentação.
Ps: na cama, texto longo.




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