Há muito, eu ensaio escrever uma série de textos sobre os camaradas que escrevem sobre surf.. Os meus prediletos… Sou um leitor ávido de textos a respeito do nosso mundinho. Devo confessar que não é fácil encontrar, em meio aos inúmeros blog, revistas ou sites especializados textos que escapam do lugar comum… Sempre achei desagradável ler algo que esperava ler. Texto bom, para mim, é aquele que narra uma história que não consegui ver, que revela algo óbvio que não consegui enxergar. Por sorte, a escassez, nesse caso, não implica ausência de qualidade, pois, quando ela aparece estruturada em sentenças escritas na língua pátria, pasmem, ela não deve nada a ninguém… Entre um campeonato e outro, aproveitarei para publicar alguns textos sobre os meus escritores prediletos… A série começa com aquele que julgo, de antemão, o melhor de todos… Júlio Adler.
O primeiro encontro…
Quem me apresentou os textos de Júlio Adler foi um camarada de longa data chamado Chocolate… O rapaz tinha um bom blog sobre o nosso esporte, o qual abandonou logo que se mudou para Austrália… Lembro-me de um post em que chamava Júlio de mestre e tecia muitos elogios ao Goiabada, o melhor site que encontrei em anos… Pena que anda algo abandonado…
À época, o Goiabada trazia, na primeira página, o arquivo de textos escritos por longos anos, uma diversão… O conjunto de narrativas apontava para tantos lados do nosso universo, tantas facetas dos personagens que integram o imaginário de quem, algum dia subiu numa prancha…. algo impressionante… Havia no Goiabada uma diversidade enorme de temas e abordagens… Por semanas, dediquei-me a ler as análises e perfis cuidadosamente desenhados… De passagem, é preciso afirmar que os textos sobre Neco Padaratz, seja qual forem eles, formavam o mais bonito e sensível corpo de crônicas que li sobre surf.
O segundo encontro…
Por volta dos meus trinta anos, o meu tempo dividia-se entre aulas numa universidade e consultorias para agências de publicidade… Nesse período, a instituição na qual trabalhava promovia, uma vez ao ano, uma semana de palestras para convidados a fim de fomentar nos alunos contato com o mundo que se abria para além da sala de aula… Lembro-me de ter sugerido para direção uma mesa sobre surf… Mesmo sem a repercussão do título do Gabriel e sem a tempestade de mídia a qual estamos, hoje, submetidos… a mesa emplacou… Tomei coragem, e escrevi um comentário em um dos textos do Goiabada… “Caro Júlio Adler; sou professor de uma instituição, faremos uma mesa, gostaria de contar com a sua presença; se topar, mandamos passagem”. Nunca havia visto o camarada, mas acredito que o modo inusitado pelo qual o convidei deve ter contribuído para aceitá-lo.
O primeiro contato com Júlio, confesso, foi uma surpresa. O camarada parece estar sempre em suspensão… Há uma certa displicência em sua postura, volta e meia quebrada por algum comentário preciso ou a manifestação de sua memória sem precedentes. Graças a ele, tornei-me um leitor ávido do Surf Journal, de livros sobre o nosso mundinho.. A palestra, ela mesma, não foi grande coisa, acho que ele deve ter ficado nervoso com tantos alunos, as cadeiras de couro, as toneladas de mármore do edifício… Passamos o dia juntos… Tornamo-nos amigos desde então… Alguns telefonemas esporádicos, planos para fazermos algo juntos…
O estilo…
Antes mesmo de decidir escrever sobre pranchas, praias, vagabundagem e campeonatos, Júlio, entre uma cerveja e outra, disse-me: sempre quero contar uma história de um modo diferente… A sua escrita lembra os grandes cronistas modernos… Os acontecimentos e as suas descrições cedem lugar para uma cadeia de impressões, organizadas por uma escrita limpa, carente de adjetivações, orações subordinadas e conjunções. As frases compõem imagens as quais, na maioria das vezes, são subjugadas a fragmentos de memória… Júlio, acredito, é um legitimo herdeiro da mais elegante tradição na qual se encontram Rubem Braga, Paulo Mendes Campos e Millor… O olhar dele antevê por uma fresta certos detalhes, desapercebidos por grandes acontecimentos… Não sei bem o que acontece quando elege essa ou aquela cena, esse ou aquele personagem… Para nós, sempre submetidos a uma ordem de informações massificada, repetitivas e repleta de lugares comuns, os textos do Júlio são uma rajada de novidade e inteligência…
Novos ares…
A surpresa é perceber que um camarada como ele possui uma produção impressionantemente diversa e intensa… A empreitada do séries fecham, o live surfe, as colunas em duas revistas especializadas e um blog, insisto, irresponsavelmente abandonado, dão uma dimensão da capacidade de gerar conteúdos a respeito do nosso universo… Uma vez, durante um jantar com João Valente, editor da Surf Portugal, falávamos da nossa incompreensão de não ver publicado um livro com as crônica do Júlio bem como um programa regular em algum site ou tv em que ele pudesse falar das coisas que lhe interessam… Quem sabe?
A contracultura…
O fato é que o convívio com Júlio, a leitura de sua produção, e os achados deixados aqui e acolá traçam um contorno de uma certa resistência ao fluxo regular das coisas… Há um cheiro de passado em sua abordagem, algo que nos remete aos sentimentos dos anos setenta… Hoje, imersos no tempo das metas, consumo exacerbado e construção de carreiras, Júlio é um desses camarada capazes de nos lembrar que existe outras ondas paras os quais os nossos olhos devem voltar-se…
Ps: para quem não conhece… lá vai o universo em que ele aparece…
colunas na Hardcore e na Surf Portugal…
Site Live Surfe
Youtube: sériesfecham…
espero que se divirtam
no próximo, Júnior Farias
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