Texto publicado em fevereiro de 2015
Uma possível história com Silvana Lima...
Quando completei 16
anos, eu convenci meus pais que a hora de viajar para lugares remotos a
fim de surfar chegara. Era um tempo em que as passagens de avião eram,
quase sempre, inacessíveis para a classe média brasileira; que o único
meio de guiarmo-nos resumia-se à leitura do Guia 4 Rodas; em que não
havia muita informação prévia para orientar, com mínima segurança, o
planejamento de uma empreitada dessa natureza… O plano: três meses a
viajar pelo Nordeste Brasileiro… Para quem morava em São Paulo e ainda
não pagava sequer a entrada do cinema com dinheiro próprio, isso
significava uma aventura daquelas… daquelas de contar para os netos… O
fato é que eu tinha um dinheiro no bolso, uma promessa de uma ordem de
pagamento em caso de emergência, isto é, se houvesse um banco perto… e…
muita ansiedade em desbravar o mundo… Quando se é mais jovem, nós somos
movidos por uma estranha força que nos projeta em busca de algo que não
conhecemos, de algo que seja, por tamanha singularidade, capaz de
provocar em nós uma experiência única e, portanto, maravilhosa. Uma trip
de surf sempre teve para mim essa mística. Viajar para surfar é ver
algo além do Tejo, o rio de minha aldeia…
Por isso, o meu desejo
íntimo resumia-se, à época, em encontrar lugares sem energia elétrica,
sem lanchonetes, sem nada para comprar… Um banco? Sejamos
francos….Parecia-me coisa de pacote turístico… Eu, ao contrário dos
locutores da ASP, odeio agência de viagem. Herança de uma geração que
cresceu com as histórias contadas pelos surfistas das décadas de
sessenta e setenta…
Era, na verdade, um tempo em que viajar
resumia-se a longas horas, por vezes dias, em um ônibus interestadual
sem garantia de que encontraríamos qualquer conforto ao final da
jornada. Mas, afinal, quem deseja conforto, rapidez, vida segura; quando
o sonho de uma surf trip move corações e mentes? Digam-me, camaradas:
quem?
***
Nessa
toada, lá fomos eu e meu querido amigo, Chocolate, rumo a Paracuru. Os
três dias de viagem entre São Paulo e Ceará pareciam brincadeira de
criança frente à possibilidade de vermos, com os olhos que a terra há de
comer, as famosas direitas… Lembro-me, como se ainda fosse criança, de
ouvir dos amigos de meus pais as histórias sobre as longas direitas de
um metro, da água quente, de poucos camaradas na água. Paracucu, por
volta dos meus quinze anos, foi a minha primeira Passargada. Depois,
outras praias ganharam essa simbologia, mas, confesso, que nunca com a
mesma força e atração que a cidade, onde se encontrava o Ronco do mar,
produziu, em mim, na minha juventude…
Ver as direitas quebrando…
uma linha atrás da outra… é uma das melhores memórias da minha
adolescência. Surfava todo dia… quando a maré descia e quando ela subia.
Surfava em frente a um quiosque… Lembro-me da senhora que era dona, de
alguns filhos, todos pequenos… Eles revezavam uma prancha de madeira,
com uma quilha improvisada. Uma imagem que vi muitas vezes em outras
viagens… Crianças, sem muito dinheiro, surfando muito bem em condições
precárias enquanto jovens abastados cravavam a borda na água, sem jeito
para coisa. Afinal, talento não é condicionado por berço de ouro ou é
acalantado por boas condições; talento, simplesmente, nasce…
O
que, realmente, me lembro desse gurizada; o mais velho deveria ter, por
volta, de dez anos; eram os comentários ácidos sobre os estilos dos
surfistas de prancha de fibra, ouvidos por mim, entre uma caída e outra,
quando descansava sobre a sombra do quiosque. Eles eram implacáveis. A
minha base fechada, forjada com muito esforço para emular, de modo
canhestro, os grandes surfistas havaianos, fora desacreditada em meio a
risos e chacotas… Sempre quis surfar como Garry Lopes… Reconheço: deviam
ter certa razão, uma vez que do meio deles nasceria uma das maiores
representantes do surf moderno… E, confesso, sempre fui meio old school…
Toda vez que vejo, leio ou escuto qualquer coisa a respeito de Silvana
Lima gosto de pensar que ela era uma dessas crianças… Talvez ela, de
fato, fosse. Talvez, não… Mas isso não importa muito… Para mim, saber
que qualquer um pode ter se tornar um exemplo, vale mais…
***
Quando
se é pai de criança pequena, uma das brincadeiras comuns é fantasiar
com eles uma luta em que, cada partícipe, assume a identidade de um
super herói. Ora você é Batman, ora Superman… No meu caso, o surf sempre
alinhavou a minha história com a Júlia, surfista com muito talento e
que, por pouco, não enveredou para competição. Quando lutávamos na cama,
a menina de sete anos gritava, punhos levantados: eu sou a Silvana Lima
e você, pai? Bem.... Hoje, eu também sou a Silvana Lima, minha filha….
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