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sexta-feira, 24 de abril de 2015

Silvana Lima: uma possível história

Texto publicado em fevereiro de 2015

Uma possível história com Silvana Lima...
Quando completei 16 anos, eu convenci meus pais que a hora de viajar para lugares remotos a fim de surfar chegara. Era um tempo em que as passagens de avião eram, quase sempre, inacessíveis para a classe média brasileira; que o único meio de guiarmo-nos resumia-se à leitura do Guia 4 Rodas; em que não havia muita informação prévia para orientar, com mínima segurança, o planejamento de uma empreitada dessa natureza… O plano: três meses a viajar pelo Nordeste Brasileiro… Para quem morava em São Paulo e ainda não pagava sequer a entrada do cinema com dinheiro próprio, isso significava uma aventura daquelas… daquelas de contar para os netos… O fato é que eu tinha um dinheiro no bolso, uma promessa de uma ordem de pagamento em caso de emergência, isto é, se houvesse um banco perto… e… muita ansiedade em desbravar o mundo… Quando se é mais jovem, nós somos movidos por uma estranha força que nos projeta em busca de algo que não conhecemos, de algo que seja, por tamanha singularidade, capaz de provocar em nós uma experiência única e, portanto, maravilhosa. Uma trip de surf sempre teve para mim essa mística. Viajar para surfar é ver algo além do Tejo, o rio de minha aldeia…
Por isso, o meu desejo íntimo resumia-se, à época, em encontrar lugares sem energia elétrica, sem lanchonetes, sem nada para comprar… Um banco? Sejamos francos….Parecia-me coisa de pacote turístico… Eu, ao contrário dos locutores da ASP, odeio agência de viagem. Herança de uma geração que cresceu com as histórias contadas pelos surfistas das décadas de sessenta e setenta…
Era, na verdade, um tempo em que viajar resumia-se a longas horas, por vezes dias, em um ônibus interestadual sem garantia de que encontraríamos qualquer conforto ao final da jornada. Mas, afinal, quem deseja conforto, rapidez, vida segura; quando o sonho de uma surf trip move corações e mentes? Digam-me, camaradas: quem?
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Nessa toada, lá fomos eu e meu querido amigo, Chocolate, rumo a Paracuru. Os três dias de viagem entre São Paulo e Ceará pareciam brincadeira de criança frente à possibilidade de vermos, com os olhos que a terra há de comer, as famosas direitas… Lembro-me, como se ainda fosse criança, de ouvir dos amigos de meus pais as histórias sobre as longas direitas de um metro, da água quente, de poucos camaradas na água. Paracucu, por volta dos meus quinze anos, foi a minha primeira Passargada. Depois, outras praias ganharam essa simbologia, mas, confesso, que nunca com a mesma força e atração que a cidade, onde se encontrava o Ronco do mar, produziu, em mim, na minha juventude…
Ver as direitas quebrando… uma linha atrás da outra… é uma das melhores memórias da minha adolescência. Surfava todo dia… quando a maré descia e quando ela subia. Surfava em frente a um quiosque… Lembro-me da senhora que era dona, de alguns filhos, todos pequenos… Eles revezavam uma prancha de madeira, com uma quilha improvisada. Uma imagem que vi muitas vezes em outras viagens… Crianças, sem muito dinheiro, surfando muito bem em condições precárias enquanto jovens abastados cravavam a borda na água, sem jeito para coisa. Afinal, talento não é condicionado por berço de ouro ou é acalantado por boas condições; talento, simplesmente, nasce…
O que, realmente, me lembro desse gurizada; o mais velho deveria ter, por volta, de dez anos; eram os comentários ácidos sobre os estilos dos surfistas de prancha de fibra, ouvidos por mim, entre uma caída e outra, quando descansava sobre a sombra do quiosque. Eles eram implacáveis. A minha base fechada, forjada com muito esforço para emular, de modo canhestro, os grandes surfistas havaianos, fora desacreditada em meio a risos e chacotas… Sempre quis surfar como Garry Lopes… Reconheço: deviam ter certa razão, uma vez que do meio deles nasceria uma das maiores representantes do surf moderno… E, confesso, sempre fui meio old school… Toda vez que vejo, leio ou escuto qualquer coisa a respeito de Silvana Lima gosto de pensar que ela era uma dessas crianças… Talvez ela, de fato, fosse. Talvez, não… Mas isso não importa muito… Para mim, saber que qualquer um pode ter se tornar um exemplo, vale mais…
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Quando se é pai de criança pequena, uma das brincadeiras comuns é fantasiar com eles uma luta em que, cada partícipe, assume a identidade de um super herói. Ora você é Batman, ora Superman… No meu caso, o surf sempre alinhavou a minha história com a Júlia, surfista com muito talento e que, por pouco, não enveredou para competição. Quando lutávamos na cama, a menina de sete anos gritava, punhos levantados: eu sou a Silvana Lima e você, pai? Bem.... Hoje, eu também sou a Silvana Lima, minha filha….

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