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quinta-feira, 9 de julho de 2015

Rio Grande do Norte, inverno de 2015

A sentença…

Depois de ter envolvido com o trabalho e viagens e mais viagens para dar cabo de tantas obrigações, a minha mulher, olhos secos e invejável autoridade, sentenciou: nessas férias escolares, celulares e computadores estão vetados… Quinze dias com as crianças… Você pode escolher qualquer lugar do mundo desde que ele diste menos de três horas de São Paulo…
O tom grave somado à tranquilidade com que ela emitia cada uma das palavras do enunciado resultaram em um esforço para cancelar este ou aquele compromisso… Uma vez acuado, restou-me decidir para onde viajar… A única certeza, iríamos para o mar… 
Nomes de praia, resorts, hotéis acumulavam-se em discussões acaloradas ao redor dos jantares… Entre uma sugestão e outra, um destino, há muito tempo visitado, ganhava contorno de modo a dissipar dúvidas… Rio Grande do Norte… Nordeste… Brasil…

O mistério potiguar…

Há muito, eu tenho vontade de retornar para Natal, Pipa, Bahia Formosa… 25 anos atrás, estive por essas bandas, num verão, época de boas ondas para fugir do frio do Sudeste e, à época, viver  uma das minhas primeiras viagens de surf… A confusão da memória estabelecia-se sobre longas ondulações para direita, água quente e poucas pessoas a dividir a arrebentação… De todas as viagens que fiz para pegar onda, Rio Grande do Norte reserva-se um lugar para lá de especial…Os afetos, creia-me, não encontram uma razão definida para eleger esse ou aquele momento como especial, um ou outro endereço com cheiro ou coloração de casa… O fato é que, além de toda aventura de menino, a empatia pelos surfistas da terra corroboraram e muito meus laços com as praias daqui… Não sei ao certo se o movimento não se fez ao contrário; isto é, se minha admiração por Jadson reforçou-se pelos meus sentimentos por Natal ou, sejamos francos, o contrário se faz explicação… 

O aeroporto, o carro alugado e a prancha comprada…

A chegada em Natal anunciava-se no novo Aeroporto da cidade, inacabado, mas muito bonito… O calor era sensível… Havia reservado um carro para família com o pretexto de ganharmos liberdade de locomoção… Em mim, o plano secreto… Comprar uma prancha de um shape local e,  antes do sol raiar, pegar a estrada para surfar as ondas de adolescência… Sem computadores, celulares, estava decidido a transportar-me, ainda que falsamente, para um tempo em que ligar para casa implicava a sorte de um orelhão que funcionava… 
Em frente ao rapaz da locadora, a minha mulher logo estranhou o pedido…”um carro com Rack, por favor”… Não durou cinco segundo para que ela, então, interpelasse a conversa… “João, por que um rack? Você não trouxe nenhuma prancha…” É verdade que as recomendações médicas somadas a uma recente e voraz crise na coluna, indicavam a impossibilidade de surfar como antigamente… Mas, vocês sabem, água quente, ondas de um metro e camas confortáveis de um bom hotel são capazes de anular qualquer prescrição…Olhos fixos um no outro…. E ela sorriu… “Você vai comprar uma prancha, não é?”… Vinte anos de casamento…. Há manias que somente se revelam com intimidade… Uma das minhas, desde o tempo de menino, comprar, quando possível, uma prancha local… Para mim, a onda de um lugar molda, como ninguém, as mãos de quem vive e faz as pranchas à beira mar… Embora nem sempre seja verdade… para mim, surfar com pranchas forjadas nas praias em que viajo provocam a mesma alegria de comer a comida da terra… Em tempo de globalização, opto, quando possível, pelo caráter da região…

A prancha…

Após o primeiro pouso no hotel, crianças alimentadas, a constatação de que, em julho, podemos encontrar água quente e temperaturas a beirar os 30 graus, voltei-me com atenção para Ponta Negra… Queria ver o mar, conversar com alguém que compreendesse aquela maré e, mediado pela cumplicidade, dissesse qual o melhor local para comprar uma prancha… A arrebentação estava cheia, ondas irregulares quebravam, uma após a outra… Surfistas de todas as idades espalhavam-se pelo line-up… A quantidade de fishes era impressionante… A soberania dos pequenos foguetes de três quilhas, estreitas, com mínima flutuação parecia encerrada… O surf transformou-se, em Natal, numa atividade familiar… Pais e filhos, homens com sobrepeso e algumas e excelentes surfistas brincavam em ziguezague… Logo encontrei Pedro, um carioca que morava no Rio Grande do Norte, há duas décadas… Segurava uma pequena quadriquilha, a qual lembrava-me àquelas produzidas por Sérgio Peixe, no idos dos anos 80… Conversa entabulada… Endereço de uma loja anotado…  Em duas horas, lá estava eu com uma incrível 6,2…É notável saber que algo do companheirismo de outros carnavais ainda existe em tempo de individualismo feroz e localismo acirrado… Por alguma razão, o Nordeste está, pelo que vi, muito distante daquilo que vejo em praias do Sul e Sudoeste brasileiros

O desejo…

É incrível saber que, aos quarenta anos, uma nova forma de encarar a vida ganha corpo… Desejava pegar todas as ondas possíveis, mas também alimentava um desejo secreto de encontrar, por acaso, nas praias do Rio Grande do Norte algum herdeiro legítimo dos grandes surfistas daquelas veredas… A cada onda surfada, fosse em Natal, fosse em Pipa ou Bahia Formosa, olhava de canto de olho para o lado à procura da raça de Jadson Andre, da modernidade de Ítalo, do estilo de Fábio Gouveia…
Duas caídas por dias, uma pela manhã, outra pelo início da noite… As semanas passavam em compasso lento… A cor do mar lembra a da Indonésia… Para não fugir à regra, as crianças tinham o seu momento nas ondas… Divertiam-se no mar delicado do Rio Grande do Norte… O surf no Brasil, definitivamente, tornou-se uma atividade familiar… O curiosos é perceber que, no limite, não me encontrava diante daquele sentimento provocado ao redor do título de Gabriel, em que as praias do Litoral Norte de São Paulo foram tomadas de assalto por reflexos pouco nítidos de Charles e seu filho… 
Havia um remanso nos dias em que passei entre Ponta Negra e Bahia Formosa… O tom era sempre de brincadeira, mesmo entre os melhores surfistas que encontrei… E eles são muitos e de todas as idades… Talvez aquelas veredas não tenham ainda encontrado a sintaxe competitiva e ultra individualista de São Paulo… Ganhar e destacar-se não me pareceram palavras de ordem, ainda que os surfistas competitivos do Nordeste sempre se encontrem entre os mais aguerridos de qualquer circuito…Bonito, no mar azul turquesa, era cortar a parede como manteiga, gritar no line-ip para o surf bonito e equilibrado de quem se encontrava ao seu lado… Importava, isso sim, dividir alguns e breves momentos do paraíso na terra… 

O vínculo com o mundo: a reconstrução de Alejo


De longe, pelo celular contrabandeado dentro do bolso da única calça, vez ou outra, atualizava-me da notícia a respeito do WQS… Alejo quebrava as ondas na África do Sul… O menino sempre me pareceu possuir elegância e caráter… Adorado pelos amigos, amado pela família… A boa índole em nada reflete a força de seu surf… Alejo está com faca nos dentes… A saída do WCT fez-lhe bem… Não sei bem por que, mas sempre que penso em Alejo, penso em Jeremy… Personalidades distintas, surf extremamente parecido… Os dois meninos, em 2015, reagiram ao tempo de seca… cada qual a sua maneira encontrou-se novamente no surf de competição… 
No Rio Grande do Norte, eu percebi, pela primeira vez, que os dois modos de encarar o mar, para ganhar ou para divertir-se, em nada competem entre si… Há lugar para todos na arrebentação, há lugar para todos… Entre um sorriso e outro, conquistado entre uma manobra e uma dor na lombar… os meus olhos ainda procuram o novo talento do surf potiguar… 


Ps: período de espera em J Bay…. quem sabe, quem sabe…

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