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domingo, 22 de novembro de 2015

A vitória de Wade em Haleiwa ou considerações sobre o limite de julgar

O olhar crítico sempre possui dois caminhos a seguir: o primeiro, o do arbítrio, de quem julga e hierarquiza; o segundo, mais difícil e nem sempre alcançado, preza a descrição do fenômeno, independente dos pressupostos que, por ventura, buscam influenciar o juízo… Pois bem, camaradas, a primeira etapa da Tríplice Coroa, no arquipélago, tornou-se o endereço em que, sem cuidado, fui levado a rever certas verdades e, por que não,  duvidar daquelas certezas, cultivadas em anos de observação e acúmulo… Afinal, numa Haleiwa com jeito de Trestle, habitada por nomes conhecidos do circuito, quem levou o caneco foi Wade Carmichael… 
O tema não é novo. Vez ou outra, surge um rapaz, mal colocado no ranking, sem resultados expressivos, que, durante o campeonato, toma tudo de assalto e derruba, um a um, os favoritos da contenda… Pois é, camaradas, deveria ter rendido-me às evidência do surf do australiano… Mas a soberba somada à certeza de que ninguém seria capaz de parar a dupla brasileira, Gabriel e Felipe, fez-me levar um daqueles tombos que, somente, me fazem lembrar: no surf e no amor, incerteza… Talvez motivado pela minha inclinação em rever, sem receios, alguns de meus julgamentos acerca do que vi e acreditei; aproveito o mote para, em glosa, discutir qual o papel de quem ambiciona escrever sobre surf. Isso porque estamos diante de um desses momentos de virada, de troca de guarda, diriam alguns… E justamente nesse instantes em que o passado não se faz mais presente e, por sua vez, o presente se torna incerteza… que devemos ter mais atenção…
O experimento da auto-avaliação, pois, inicia-se com a análise de um pequeno diálogo entre mim e um assíduo camarada do fórum do maior site de surf brasileiro… Para sermos justos, o nome do avatar é Bill27, comentador cotumaz dos acontecimentos de nosso mundinho… Naquele momentos, dedicávamo-nos a avaliar o último dia de competição em Haleiwa e, numa espécie de brincadeira entre amigos, predizer o futuro, isto é, o campeão da etapa… O texto é bastante curto, mas isso não significa, em hipótese alguma, que, dele, não possamos ver algo muito além dos vaticínios e predileções de dois camaradas dedicados ao surf de competição…Concentrado em poucas linhas, acredito que, nesse diálogo se revelam alguns dos movimentos mais importantes da aventura de julgar… e, por que não, um exercício de humildade e consciência de que aprender é uma tarefa sem fim…
Tudo se iniciou durante a bateria das quartas de finais, vencida pelo filho do Charles… Logo após ver o surf apresentado pelo campeão mundial e, suspeito, influenciado pela babação de ovo da bancada de comentaristas, postei o seguinte: "Wade Carmichael = Panda; Felipe Toledo = Felipe Toledo; Gabriel = Slater, Irons e Gabriel”. Os motivos que me levaram a desenhar esse esquema de igualdades sucessivas, algo arbitrário e sem explicação, residiam em algumas premissas, todas elas desenhadas por certezas, convicções e, claro, uma tentativa de análise sobre o que se passava.  O fato é que poucos pleiteantes às vagas do circuito principal permaneciam em pé… Os nomes conhecidos ganhavam corpo e densidade na competição… E, por isso, o jovem australiano, a despeito do que fizesse, parecia-me uma representação decalcada de um bom e velho cavalo paraguaio… Soberba… Olhar esquivo ao mínimo estímulo… Por ela, cometemos certas sandices…
Vamos, então, ao problema… Wade apresentava um surf tão agressivo e fluido a despeito de seu corpo, algo pesado, que muito me lembrava William em Bells… Em tese, acreditei, antes do que viria a acontecer, que estaríamos diante de um daqueles casos em que um surfista vindo de longe, arrebata uma etapa, com surf incontestável, mas incapaz de consagra-se campeão justamente porque, para isso, seria necessário quebrar a máxima do circuito; em uma palavra: ganhar implica, na esmagadora maioria das vezes, acúmulo e experiência… Essa a regra… mas, não nos esqueçamos, toda regra possui exceções… Por mais que saiba disso, eu sou sempre inclinado, a despeito da minha vontade, a recair em julgamentos certamente conservadores… Ao redor dessa tola compreensão dos fatos como demonstrou o coroamento de Wade, explicavam-se as duas outras igualdades. De um lado, Felipe, um surfista tão particular e com tanta capacidade de vencer tudo e todos naquelas condições, quem me parecia não possuir nenhum comparativo nem entre seus pares, nem entre os milhares de competidores precedentes da história do circuito… Afinal, Felipe abaixo de seis pés, para mim, não tem adversário, à altura… De outro lado, Gabriel surfou aquela bateria das quartas de final com tanta segurança que, por vezes, suspeitei ter ele alcançado aquelas notas enquanto imaginava o que faria entre as etapas de Haleiwa e Sunset… Descansaria? Caçaria Javali? Divertiria-se em Off the Wall? Havia uma segurança no camarada, uma certeza de que podia fazer qualquer coisa que desejasse naquela onda…. Para mim, um estado de espírito característico dos grandes…. e os grandes do surf estão sentados, lado a lado: Slater, Irons e Curren… 
Sem muita precaução e, confesso, a vislumbrar uma disputa entre os dois brasileiros pelo caneco, iniciei as bases do diálogo que se seguiu…

Acho que pelo andar da carruagem pode colocar 10 mil pontos na conta do Wade.
João Guedes BILL2715 horas atrás
Não creio...
BILL27 João Guedes15 horas atrás
Aposta em quem João?
João Guedes BILL2715 horas atrás
Bill;
Wade está, de fato, num daqueles dias... Mas, veja Bill, o mar está pequeno.... Felipe, bom, Felipe é o que sabemos dele nessas condições.... E Gabriel parece ter engrenado... Se Wade ganhar, terá passado por dois ossos duros de roer.
BILL27 João Guedes13 horas atrás
É João ,o mar está pequeno .....
João Guedes BILL2712 horas atrás
Braço a torcer.... braço a torcer... Bill, você estava certo…

Um texto alto explicativo, é verdade, mas que, numa primeira aproximação mais detida, revela de certo, quando a questão é arbitrar sobre o surf de competição, um paradoxo… Afinal, o que vale mais: a evidência ou a história? Quando olhamos para uma bateria, para uma etapa ou para um campeonato; avaliamos a partir de qual paradigma? Evidente era a atuação de Wade, Gabriel e Felipe no último dia em Haleiwa… O problema, então, foi não prever que pau que bate em Chico, bate também em Francisco… A segurança do filho de Charles, acrescida de um aéreo tirado da cartola da eterna promessa havaiana, levou o rapaz a acreditar que faria chover mesmo com péssimas escolhas de onda… Mas bateria, bom, bateria tem sempre trinta minutos… Não é possível se dar ao luxo de errar mais de duas vezes numa contenda de surf profissional… E Gabriel, dessa vez, errou… Possivelmente, ele foi motivado pelo mesmo sentimento que anima a minha crença no rapaz poder tudo e vencer quem desejar… Não seria esse o mesmo caso de Felipe na final, a despeito da bonita performance?
Wade ganhou porque surfou com a faca nos dentes e o sangue nos olhos… Eu, por minha vez, achei que camisa ganhava jogo… Mas jogo, tal qual me lembra um texto de antigo filósofo alemão, é sempre o eterno recomeço, sem passado, apenas com o futuro em vista… Um campeonato é, pois, um jogo… e no novo recomeço sempre a lugar para um novo campeão… O meu braço a torcer nasce dessa consciência adquirida, de que certezas devem ser mediadas por evidências… Serei capaz de levar esse aprendizado para vida? Não sei… Todavia, hoje é dia de celebrar com pompas e circunstâncias o surf de Wade Carmichael e a defesa de Bill27 da realidade que se lhe apresentava…
Que venha Sunset e que a confiança e a segurança cedam lugar para a fome de vencer e a arte de julgar…
 





terça-feira, 10 de novembro de 2015

Tel Avive, Doc, Miki e Miguel: o encontro dos tempos

Acordei cedo, completamente perdido com a viagem de mais de 20 horas, as inúmeras reuniões de trabalho e o fuso horário… Olhei pela janela e o mar em Tel Avive ganhou corpo desde ontem. Pasmem camaradas, há ondas em Israel… Uma inesperada ondulação de um metro, invadida por um vento maral que cortava o ar e tomava os ouvidos com um zunido sem fim… Às seis da manhã, cá estava eu, a implorar uma prancha no hotel… Vá lá, consegui um pranchão, desses que meu pai usaria sem cerimônia nas doces águas da Enseada, no Guarujá, nos idos da década de oitenta… Não me fiz de rogado, agradeci ao concierge com um sorriso no rosto e fui para o mar… Meia hora depois, disputava um lugar na arrebentação, a qual se realizava sem qualquer ordem lógica, com mais de trinta cabeças… trinta cabeças, numa terça-feira de sol, duas horas antes da cidade por-se no ritmo do trabalho….
Nada diferente de qualquer cidade banhada pelo mar, com alguma vocação para a prática do surf… Duas manobras, com esforço, para cada linha que quebrava; assisti a muitos cut back em dois ou em três tempos… Corpos desajeitados em busca de acertar uma batida na junção… Aliás… junção é a condição mais significante das ondas em Tel Avive… Acredito que não tardará para alguém voar sobre a linha da onda… Coisa de alguns anos, coisa de alguns anos… Isso porque o imaginário da rapaziada já está infestado pelos heróis da vanguarda… Ao saber que era brasileiro, elogios sem fim para Gabriel, Felipe, Adriano… Os bichos soltos do Brazilian Storm, suspeito que deva pagar algum direito autoral por usar esse termo, tornaram-se figuras mundialmente conhecidas… Em Isarel? É possível acreditar nisso? Não me canso de surpreender-me na vida… Até mesmo a vitória de Miguel em Maresias tornou-se tema de uma longa prosa…. e isso aconteceu na semana passada… Façamos um salva para as transmissões, ao vivo, pela internet... A despeito, é claro, da qualidade, muito longe do aceitável, dos comentários que, por horas sem fim, são pontuados por inúmeros enunciados óbvios e sem imaginação. Por exemplo, escolho essa pérola, a qual não me canso de gritar de raiva quando a escuto: “nós estamos aqui para comentar, quem dá as notas são os juízes”… Vamos lá, isso é aceitável? Por favor, membros da bancada, comentem e dêem algumas notas para o que assistem, mesmo que isso contrarie a WSL… Afinal, contrariar o julgamento, nesse ano, da WSL é uma obrigação ética…

*****

O inglês é língua corrente em Israel, talvez o único lugar do mundo, exceção feita a Berlin, em que Shakespeare sentiria-se em casa longe de South London… Tel  Avive, com certas ressalvas, muito se parece com Nova York… Creiam-me, não há qualquer exagero nessa relação… Enquanto buscava virar a prancha; a qual o concierge do hotel havia gentilmente me oferecido; iniciei uma daquelas prosas no line up com a rapaziada… A minha surpresa foi perceber que Yossi, Orine e Michel, todos com menos de trinta anos, discorriam alegres e entusiasmados sobre essa caricatura de um dia comum de Ipanema; isto é, sem fundo definido, com forte vento lateral e, com sorte, algo além de um drop… Antes das acusações bairristas, é claro que há dias melhores em todas as praias do planeta, mesmo aquelas que não foram agraciadas pela regularidade… Mas a regra não pode e não deve submeter a exceção às suas diretrizes… E, afinal, desde quando precisamos frequentar uma praia sem muita vocação para a pratica do surf, por pior que ela seja, para amá-la profundamente… O amor como o surf está sujeito a afetos inexplicáveis… E, em Tel Avive, o pico que quebra em frente ao Mosteiro é, para os seus locais, a materialização de Maetawaii… E eu,  tal qual os meus comparsas da manhã, imaginava-me entre coqueiros, diante de uma parede de mais de duzentos metros, entre um tubo e outro… Sim, a nossa exigência por ondas perfeitas e linhas infinitas é sempre relativa ao que encontramos à nossa frente… Para mim, o mar de hoje em Tel Avive comparava-se, pela surpresa de vê-las sem por elas ter esperado, às ondas da Indonésia… Surfista é, de fato, um bicho esquisito… Basta ter onda para que todos os padrões sejam refeitos e os critérios de qualificação tornem-se, eles mesmos, relativos….
No calçadão, mais de uma vez, encontrei casais ortodoxos a caminhar pela orla… Casacos pretos, chapéu e passos lentos… Invariavelmente, eles cruzavam com corredores amadores, surfistas com pranchas, skatistas e muitas, muitas bicicletas… Participar desse encontro com um mundo tão distante daquele que temos no Brasil vale a viagem… Lembrei, durante a hora em que via Tel Avive sob o ponto de vista da arrebentação, de Doc Pascowitz, nos anos cinquenta, em Israel, a introduzir o surf no país recém nascido… O doutor, o homem que impediu os seus filhos de estudar para viver o sonho dourado da Califórnia da segunda metade do século XX… Imaginem ser o primeiro entre todos a lançar-se num mar virgem, com sua prancha diante de um cem numero de espectadores incrédulos, ainda absortos pela triste memória da segunda guerra… Lá estava ele, corpo em forma, a lembrar que há vida além da miséria dos homens, da insânia e do terror… O surf tem dessas coisas, por mais prosaico que possa parecer-lhes, camaradas, o encontro harmônico com a natureza ainda é, para mim, uma mensagem de amor e esperança para humanidade…
Quando garoto, gostava de surfar como os meus ídolos, e naquela época, no Rio de Janeiro, Dadá Figueredo era o homem a ser seguido… Eu e meus amigos gostávamos de deixar o braço de trás levemente caído, à sombra do estilo do surfista brasileiro mais moderno dos anos noventa… Divertíamo-nos com isso… Hoje, quarenta e dois anos, abandonei, por algumas horas, as pequenas pranchas com seus movimentos rápidos e… imaginei-me ser Doc…. Segui obstinadamente a linha, sem alterar a direção de meu pranchão… Queria, isso sim, ir até a areia… Surf old school, realizado com orgulho e sem vergonha de emular, diante dos jovens surfistas de Tel Avive, um de meus maiores ídolos… 
No mar, o relógio anunciou que a próxima reunião de trabalho se aproximava… uma dúzia de ondas depois, sai com um sorriso no rosto, carregando aquela prancha de quase dez metros e, pouco mais, de trezentos quilos… Será que poderia encontra Miki Dora em Malibu? Andei na areia branca de Tel Avive e, transportado para um tempo em que campeonatos pareciam ser coisa estranha para quem, de fato, construiu a história do surf. Miki, Doc e, agora, eu; todos juntos em minha imaginação
Incrível saber que ficamos felizes com tão pouco…

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Miguel ganhou em Maresias… Miguel é um desses surfistas elegantes, com a linha equilibrada e uma tranquilidade para além do aceitável num circuito de surf profissional… E isso, deixemos claro, pouco diz respeito à qualidade do camarada… Miguel, pois, é a versão brasileira de Rob Machado… Deveria investir nesse caminho…Ganhará ainda alguns campeonatos, e o fará por mérito e por direito… Mas a pergunta que não quer calar, quando o melhor amigo de Gabriel se torna tema, é a seguinte: poderá o meio modificar as predisposições de alguém? Em outras palavras, o circuito pode moldar um competidor? 
O fato é que estamos diante dos inúmeros dilemas da formação… É inevitável que não imaginemos quais são os objetivos a serem alcançados, os passos que levam alguém a transformar-se em algo que ainda não é… Todos os surfistas de competição são lançados nesse desafio… Adriano encontrou o surf de linha; Gabriel, o back side; Felipe ambiciona o surf em ondas de consequência… 
E Miguel? Bom, o filho de Wagner não tem, de fato, nenhum grande desafio técnico pela frente… O rapaz possui a linha mais bonita entre os seus pares, entuba maravilhosamente e tampouco se sente desconfortável com o surf aéreo… Então, por que cargas d’água os resultados não chegam? Vejam…. estamos no difícil terreno da análise subjetiva, em que nenhuma evidência técnica se revela como um problema… Miguel, para mim, tem um enorme desafio pela frente, possivelmente maior e mais complicado do que os enfrentados pelos seus pares… Ele precisa entrar dentro do campo da competição… Encontrar-se numa sintaxe que, a despeito de todas as suas conquistas, ele parece não dominar ou está muito longe de sentir-se confortável com ela.
Muitas foram as horas à espera de uma onda; muitas foram as baterias perdidas por falta de uma segunda nota… Há momentos realmente mágicos em seu surf… A questão, mais uma vez insisto, não é falta de qualidade ou displicência… Miguel parece precisar, se Wagner não se incomodar com a intromissão, de uma análise a respeito de sua carreira… Para onde ir? O que é preciso fazer para resolver as reiteradas armadilhas nas quais o camarada parece muitas vezes cair? Eu, cá com meus botões, imagino a enorme vontade de ele conseguir, um dia, o caneco… Talvez, Miguel realize esse sonho… Ele possui surf para tamanha empreitada. Mas será que vale esse esforço? Afinal, ao contrário de seus pares, isso me parece muito penoso para o camarada boa praça, de enorme índole… A competição, com toda a violência, deveria ser-lhe o motor, ininterrupto, sem soluços… Isso é possível para Adriano e Gabriel. Para Miguel? Nesse momento, imagino ele a surfar em Baja México, sozinho, destruindo cada uma das ondas que encontrar a arrebentação… Linha linda, limpa… Acredito que faria isso sem dor ou angustia… sem pesos sobre os ombros… Surfaria como Machado, Rasta, Dane e tantos outros que, a despeito dos enormes palanques da WSL, vivem muito bem e são inspiração para uma legião de surfistas ao redor do mundo. Há mercado para isso e, mais importante, Miguel tem surf para isso..
Agora, o sonho de cada um pertence somente ao sonhador…. Se Miguel optar pela guerra do circuito, precisará não cobrar-se tanto, surfar com mais fome e ganhar algumas etapas fora do conforto de sua casa… Tomara, tomara…

Para mim, o surfista brasileiro que possui o mesmo nome de meu filho, independente do que ocorre no circuito, inspira-me grande respeito e admiração. Que ele encontre o seu caminho e que o faça em paz consigo mesmo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

E Portugal.... um artigo em tempo de espera...

E a promessa de escrever ao fim de cada etapa do tour, como tantas outras, escorreu pelos meus dedos… Assim foi, assim é e, suspeito, pouco poderei alterar o futuro… Afinal, presos, estamos às nossas próprias engrenagens… Entretanto, o tempo tem lá suas armadilhas e a etapa de Portugal, mesmo distante algumas semanas e separada pela notável vitória de Miguel em Maresias, merece ainda uma análise… E, por ser algo teimoso, creio que um texto sobre o que aconteceu em Super Tubos ainda pode resistir à urgência da notícia fresca e fazer-se interessante…
Hoje, tirei o fim de tarde para escrever nesse malfadado blog, sobre os acontecimentos que tomaram de assalto o circuito de 2015 após a etapa de Peniche… Encontro-me em Israel, a trabalho, e com os afazeres realizados nessa segunda-feira, resolvi sentar-me em Yaffo, num café, em frente à praia… Pasmem, camaradas, mas deve haver umas quarenta cabeças no line up… O mar é pequeno, mexido, com ondas de apenas meia manobra… Há pranchões, roupas de borracha coloridas e algumas meninas a disputar o que, temo, seja um dos melhores mares do ano em Tel Avive… Do meu lado esquerdo, uma mesquita do século XII; à minha direita, avistam-se as enormes torres modernas da capital de Israel… Se não estivesse de terno e com um jantar de trabalho marcado, teria alugado, isto mesmo, alugado uma prancha e caído nesse mar…. O tempo, no entanto, é curto e esse artigo tem de sair hoje…
O fato é que, aqui, encontro-me comprimido entre o passado e o futuro, entre tempos distintos, concentrados, à minha frente, na multidão de surfistas israelenses que esperam ter sorte na próxima ondulação… Aliás, o surf, em 2015, nada mais é do que a tentativa de encontrar um equilíbrio entre os tempos que se sobrepõem, de modo insistente e reiterado, no presente… Embora a história moderna do surf, descontada a arqueologia dos antigos reis do arquipélago, tenha pouco mais de meio século, é notável como ela realiza-se metonímia daquilo que todas as antigas cidades do mundo, inclusive Tel Avive, encenam em suas vielas: o incômodo encontro entre a alta tecnologia e edificações para lá de antigas…
No mundinho do surf, esse encontro ganha corpo quando assistimos à evidente disputa entre a borda cravada na água e o domínio do espaço aéreo.. De um lado, a mesquita; de outro, arranha-céus… Em sintaxe do circuito, Mick e, por que não, Adriano versus Medina, Felipe e, quem diria acontecer tão cedo, Ítalo… Embora eu encontre fervorosos defensores, aqui e acolá, dessa ou daquela escola; sejamos honestos, surfista bom, realmente bom, tem de ser capaz de dominar todas as formas de expressão… Slater que o diga…. e, a seguir as pegadas do E.T., o filho de Charles… Qualquer outro pretendente a seguir esse caminho, a despeito do resultado final em Pipe, tem de comer ainda muito arroz com feijão… Afinal, seria possível, sem qualquer perda, eleger um tipo de edifício como mais belo? Vidros espelhados ou tijolos feitos à mão? Faca quente a cortar manteiga ou giros em rotação infinita? Façamos um exercício e separemos os rapazes do tour em categorias… o resultado seria bastante controverso… Quem domina o surf de borda, na coluna da direita…. Quem convive com harmonia sobre a linha da onda, à esquerda… Quem estaria nas duas? Kelly, Medina, Julian, J.J. e Owen… Mas apenas os dois primeiros surfam assim em alta performance competitiva…. pelo menos, durante muitas e muitas etapas… Logo…. vamos para Peniche…

*****

Portugal é um pais muito diferente daqueles que ocupam o continente europeu, seja porque a sua língua soa estranha até mesmo para os seus vizinhos que discorrem sobre a vida em espanhol, seja por que a terra de Camões exala uma enorme melancolia do império perdido… Ao locomover-se por Lisboa, é possível sentir a devoção por uma passado que não encontra endereço no presente… O culto ao que decorreu, à tristeza do fado e, sobretudo, ao período de glória e força está em toda viela e esquina da capital… E, por isso, não seria um equívoco dizer que a brisa do Tejo, o rio que corta aquela aldeia, atinja, sem muito, as demais regiões de Portugal…  É, camaradas, Peniche, nesse caso, é apenas a comprovação da regra… Uma pequena cidade marítima, desprovida de riquezas materiais, que ainda não encontrou o século XXI… Exceção feita ao campeonato que, por aquelas veredas, ocorre entre os meses de setembro e outubro, a depender do calendário da WSL…
Para nós brasileiros, a viagem para Peniche deveria ser a primeira entre tantas que realizamos para encontrar alguma alegria sobre a prancha… A língua, a entendemos; as pessoas, amigáveis e cordiais; o surf é de primeira, com ondas para todos os lados, habilidade e gostos… Peniche, por exemplo, sempre possui terral, de um lado ou outro da península, não há quadrante que não encaixe em ondas longas e tubulares. Vá lá… o mar é gelado, mas e daí? As roupas de borracha estão cada vez mais leves e, pasmem, confortáveis…
O ritmo de Portugal é lento, os jovens, na maioria, emigraram, tal qual sugeriu o ministro do trabalho do país há cinco anos atrás, para outras veredas a fim de encontrar futuro e ganha pão… Tudo parece algo do Brasil da década de setenta, início dos anos oitenta… Estradas de barro ao lado de extensas rodovias, carroças que concorrem com automóveis e onda, muita onda e sem muitas cabeças na arrebentação… Por isso, é estranho ver o circuito chegar com seus palanques enormes, propagandas de mais de metro com rostos conhecidos estampados por toda parte… Um espetáculo estranho, mas que, noves dentro, noves fora, tem a sua graça, ainda mais no ano mais disputado da história…

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Gabriel ainda não é uma carta fora do baralho, mas, sejamos francos, ele fez uma das mais brilhantes recuperações da história do Tour. Com cabeça no lugar, quem irá pará-lo? Quem? É verdade que Ítalo é um surfista enorme, com reais chances de levar esse caneco um dia, mas aquele malfadado mar em que aconteceu o campeonato estava mais para um derby no jockey club do que uma etapa decisiva da WSL… Vai entender as razões que movem os comissários de prova… Mudam-se os nomes e rostos, permanecem os equívocos e a coluna vertebral de geléia… Ítalo surfou melhor e poderia ter surfado igualmente superior em condições mais adequadas à disputa do caneco em 2015… Não duvido, e acredito, cada dia mais, no surf do Potiguar. Todavia, as ondas deveriam ser à altura da contenda… se não foram, deveríamos investigar… pois Baleal e Pico da Mota quebraram lindo…Para mim, palanques deveriam ser apenas lugares confortáveis para os atletas descansarem, e, não, determinantes para realização de uma etapa… Se o livro de regra diz outra coisa, errado, o livro de regras….
Felipe ganhou, mas não me convenceu ainda… O rapaz de surf limpo e sensivelmente rápido pode ganhar o título em 2015, mas ainda deve provar que consegue encontrar a sintaxe adequada para as ondas de consequência… Se não fizer isso antes de consagrar-se campeão mundial, recairá sobre ele a soberba anglo-saxônica da eterna dúvida sobre um brasileiro… Se ganhar Pipe acima de dez pés, não terá nada a temer; caso não o faça, sei não… O fato é que Felipe é um dos surfistas mais cativantes do circuito…. Surfa com a prancha grudada nos pés e rápido como poucas vezes vi alguém ser… Mas isso é suficiente? 
Uma vez Charles disse-me que Gabriel fora acolhido pelos seus pares… Convenceu-me do argumento, meses antes do título de 2014, com um cem número de exemplos, os quais envolviam J.J.; C.J. e Parko… À época, não entendi muito bem o desenrolar daquela prosa, mas, hoje, vejo que Felipe também foi incorporado… Muito tem se falado sobre o rapaz, e sempre de modo positivo… Todavia, Felipe deve almejar o céu, e, não, um título… Ser completo, ser unânime… Somente Gabriel parece, entre os brasileiros, ambicionar esse status… Nem Felipe, nem Adriano, a despeito da faca que possui entre os dentes, revelam a fome do filho dileto de Maresias por tornar-se história. Ora o espetáculo, ora o caneco… Os dois caminhos, é verdade, são dignos e completamente legítimos… Todavia, mitos são feitos de outra matéria…
O fato é que Felipe burilou o seu surf com tanta rapidez e eficiência que não existe alguém, em sã consciência, capaz de não permanecer congelado frente ao que ele realiza…. Lembro-me de Felipe, ainda garoto, e do seu modo de portar-se durante uma competição de grommets. Era bonito de ver a sua perseverança em divertir-se no mar… Nessa mesma competição, todavia, estava Gabriel com seus quatorzes anos… Medina" queria vencer, queria tanto que era raro vê-lo sorrir entre uma bateria e outra… Havia, nele, não somente uma inteligência competitiva, mas uma obstinação rara para um jovem adolescente… Enquanto Felipe desejar, sobretudo, o espetáculo, algo que ele parece ter sido talhado a realizar, ele não entrará para história… não do mesmo modo que Gabriel almeja entrar e que Slater, de fato, entrou… Felipe precisa dedicar-se às ondas de consequência com a mesma obstinação que deseja ser o melhor surfista de Trestle… Receio que Ricardo saiba disso e impulsionará o seu talentoso filho para a disputa entre os melhores surfistas já existentes no tour… tomara, tomara….

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Adriano, nunca torci tanto por alguém como torci e torço para esse camarada… O caneco de 2015, por mim, seria dado para mineiro sem qualquer razão ou explicação. Simplesmente, acho que ninguém merece mais esse título do que o mais determinado dos surfistas… É notável como ele desenvolveu o seu surf nos últimos dez anos… lindo de ver… Entretanto, nenhum outro surfista desperdiçou tantas chance de liquidar a fatura como Adriano… Toda vez que ele se encontrou à frente na disputa, sem exceção, parece ter perdido algo imprescindível para os campeões: a concentração… Adriano é um caçador, daqueles que ninguém gostaria de ter em seu encalço… Parece ser alimentado pela busca do primeiro lugar, mas parece  não ter encontrado qualquer conforto quando alcança tal objetivo… Uma vez, ainda na primeira perna do tour, sugeri que procurasse Charles para treiná-lo no restante de 2015… Achei uma boa idéia, e ainda acho… mas Gabriel voltou e essa improvável parceria desfez-se em ar rarefeito… Em Pipe, Adriano estará só, à caça… e talvez isso seja suficiente para torná-lo campeão… Se isso acontecer, farei cinco dias de voto de silêncio entre os meus, em reverência ao maior exemplo de obstinação que vi em qualquer esporte, especialmente no surf…  

Que venha o arquipélago, onde crianças separam-se de adultos… E, se estiverem comigo, camaradas, torçamos para que o caneco seja de quem, de fato, o merece….

Ps: amanhã, se conseguir, caio nesse mar….