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domingo, 22 de novembro de 2015

A vitória de Wade em Haleiwa ou considerações sobre o limite de julgar

O olhar crítico sempre possui dois caminhos a seguir: o primeiro, o do arbítrio, de quem julga e hierarquiza; o segundo, mais difícil e nem sempre alcançado, preza a descrição do fenômeno, independente dos pressupostos que, por ventura, buscam influenciar o juízo… Pois bem, camaradas, a primeira etapa da Tríplice Coroa, no arquipélago, tornou-se o endereço em que, sem cuidado, fui levado a rever certas verdades e, por que não,  duvidar daquelas certezas, cultivadas em anos de observação e acúmulo… Afinal, numa Haleiwa com jeito de Trestle, habitada por nomes conhecidos do circuito, quem levou o caneco foi Wade Carmichael… 
O tema não é novo. Vez ou outra, surge um rapaz, mal colocado no ranking, sem resultados expressivos, que, durante o campeonato, toma tudo de assalto e derruba, um a um, os favoritos da contenda… Pois é, camaradas, deveria ter rendido-me às evidência do surf do australiano… Mas a soberba somada à certeza de que ninguém seria capaz de parar a dupla brasileira, Gabriel e Felipe, fez-me levar um daqueles tombos que, somente, me fazem lembrar: no surf e no amor, incerteza… Talvez motivado pela minha inclinação em rever, sem receios, alguns de meus julgamentos acerca do que vi e acreditei; aproveito o mote para, em glosa, discutir qual o papel de quem ambiciona escrever sobre surf. Isso porque estamos diante de um desses momentos de virada, de troca de guarda, diriam alguns… E justamente nesse instantes em que o passado não se faz mais presente e, por sua vez, o presente se torna incerteza… que devemos ter mais atenção…
O experimento da auto-avaliação, pois, inicia-se com a análise de um pequeno diálogo entre mim e um assíduo camarada do fórum do maior site de surf brasileiro… Para sermos justos, o nome do avatar é Bill27, comentador cotumaz dos acontecimentos de nosso mundinho… Naquele momentos, dedicávamo-nos a avaliar o último dia de competição em Haleiwa e, numa espécie de brincadeira entre amigos, predizer o futuro, isto é, o campeão da etapa… O texto é bastante curto, mas isso não significa, em hipótese alguma, que, dele, não possamos ver algo muito além dos vaticínios e predileções de dois camaradas dedicados ao surf de competição…Concentrado em poucas linhas, acredito que, nesse diálogo se revelam alguns dos movimentos mais importantes da aventura de julgar… e, por que não, um exercício de humildade e consciência de que aprender é uma tarefa sem fim…
Tudo se iniciou durante a bateria das quartas de finais, vencida pelo filho do Charles… Logo após ver o surf apresentado pelo campeão mundial e, suspeito, influenciado pela babação de ovo da bancada de comentaristas, postei o seguinte: "Wade Carmichael = Panda; Felipe Toledo = Felipe Toledo; Gabriel = Slater, Irons e Gabriel”. Os motivos que me levaram a desenhar esse esquema de igualdades sucessivas, algo arbitrário e sem explicação, residiam em algumas premissas, todas elas desenhadas por certezas, convicções e, claro, uma tentativa de análise sobre o que se passava.  O fato é que poucos pleiteantes às vagas do circuito principal permaneciam em pé… Os nomes conhecidos ganhavam corpo e densidade na competição… E, por isso, o jovem australiano, a despeito do que fizesse, parecia-me uma representação decalcada de um bom e velho cavalo paraguaio… Soberba… Olhar esquivo ao mínimo estímulo… Por ela, cometemos certas sandices…
Vamos, então, ao problema… Wade apresentava um surf tão agressivo e fluido a despeito de seu corpo, algo pesado, que muito me lembrava William em Bells… Em tese, acreditei, antes do que viria a acontecer, que estaríamos diante de um daqueles casos em que um surfista vindo de longe, arrebata uma etapa, com surf incontestável, mas incapaz de consagra-se campeão justamente porque, para isso, seria necessário quebrar a máxima do circuito; em uma palavra: ganhar implica, na esmagadora maioria das vezes, acúmulo e experiência… Essa a regra… mas, não nos esqueçamos, toda regra possui exceções… Por mais que saiba disso, eu sou sempre inclinado, a despeito da minha vontade, a recair em julgamentos certamente conservadores… Ao redor dessa tola compreensão dos fatos como demonstrou o coroamento de Wade, explicavam-se as duas outras igualdades. De um lado, Felipe, um surfista tão particular e com tanta capacidade de vencer tudo e todos naquelas condições, quem me parecia não possuir nenhum comparativo nem entre seus pares, nem entre os milhares de competidores precedentes da história do circuito… Afinal, Felipe abaixo de seis pés, para mim, não tem adversário, à altura… De outro lado, Gabriel surfou aquela bateria das quartas de final com tanta segurança que, por vezes, suspeitei ter ele alcançado aquelas notas enquanto imaginava o que faria entre as etapas de Haleiwa e Sunset… Descansaria? Caçaria Javali? Divertiria-se em Off the Wall? Havia uma segurança no camarada, uma certeza de que podia fazer qualquer coisa que desejasse naquela onda…. Para mim, um estado de espírito característico dos grandes…. e os grandes do surf estão sentados, lado a lado: Slater, Irons e Curren… 
Sem muita precaução e, confesso, a vislumbrar uma disputa entre os dois brasileiros pelo caneco, iniciei as bases do diálogo que se seguiu…

Acho que pelo andar da carruagem pode colocar 10 mil pontos na conta do Wade.
João Guedes BILL2715 horas atrás
Não creio...
BILL27 João Guedes15 horas atrás
Aposta em quem João?
João Guedes BILL2715 horas atrás
Bill;
Wade está, de fato, num daqueles dias... Mas, veja Bill, o mar está pequeno.... Felipe, bom, Felipe é o que sabemos dele nessas condições.... E Gabriel parece ter engrenado... Se Wade ganhar, terá passado por dois ossos duros de roer.
BILL27 João Guedes13 horas atrás
É João ,o mar está pequeno .....
João Guedes BILL2712 horas atrás
Braço a torcer.... braço a torcer... Bill, você estava certo…

Um texto alto explicativo, é verdade, mas que, numa primeira aproximação mais detida, revela de certo, quando a questão é arbitrar sobre o surf de competição, um paradoxo… Afinal, o que vale mais: a evidência ou a história? Quando olhamos para uma bateria, para uma etapa ou para um campeonato; avaliamos a partir de qual paradigma? Evidente era a atuação de Wade, Gabriel e Felipe no último dia em Haleiwa… O problema, então, foi não prever que pau que bate em Chico, bate também em Francisco… A segurança do filho de Charles, acrescida de um aéreo tirado da cartola da eterna promessa havaiana, levou o rapaz a acreditar que faria chover mesmo com péssimas escolhas de onda… Mas bateria, bom, bateria tem sempre trinta minutos… Não é possível se dar ao luxo de errar mais de duas vezes numa contenda de surf profissional… E Gabriel, dessa vez, errou… Possivelmente, ele foi motivado pelo mesmo sentimento que anima a minha crença no rapaz poder tudo e vencer quem desejar… Não seria esse o mesmo caso de Felipe na final, a despeito da bonita performance?
Wade ganhou porque surfou com a faca nos dentes e o sangue nos olhos… Eu, por minha vez, achei que camisa ganhava jogo… Mas jogo, tal qual me lembra um texto de antigo filósofo alemão, é sempre o eterno recomeço, sem passado, apenas com o futuro em vista… Um campeonato é, pois, um jogo… e no novo recomeço sempre a lugar para um novo campeão… O meu braço a torcer nasce dessa consciência adquirida, de que certezas devem ser mediadas por evidências… Serei capaz de levar esse aprendizado para vida? Não sei… Todavia, hoje é dia de celebrar com pompas e circunstâncias o surf de Wade Carmichael e a defesa de Bill27 da realidade que se lhe apresentava…
Que venha Sunset e que a confiança e a segurança cedam lugar para a fome de vencer e a arte de julgar…
 





4 comentários:

marcos disse...

parabens joao me senti no gramado de haleiwa vendo a bateria

João Guedes disse...

valeu, marcos. obrigado.... foi realmente assim que os fatos ocorreram...

Arthur disse...

O Bill é um cara que sempre posta links de notícias, entrevistas e vídeos bem interessantes lá no Waves. Tem sido muito certeiro em seus palpites, cravou que Filipe Toledo ganharia Portugal, mesmo antes de saber que o mar estaria triste, hehe. Salvo engano, ele falou que achava que o Ítalo ganharia do Medina também. Enfim, o cara é um ótimo observador do surf em geral.
Quando você comentou as comparações, eu respondi lá que você estava sendo muito generoso com o Panda, hehe, apesar de achar o catarinense um ótimo surfista. Confesso que o surf do australiano me fascinou, gostaria de vê-lo no CT, até achei que ele poderia mesmo levar o campeonato, mas não cheguei a cravar justamente por causa dos dois garotos brasileiros.
O fato é que é mesmo muito difícil se desamarrar das pré-concepções ao analisar qualquer competição esportiva de alto rendimento, principalmente quando algum dos participantes está em uma fase excepcional, o que se aplica aos dois surfistas do litoral paulista.
Talvez o peso do que o campeonato significaria para cada um tenha sido o fator decisivo para o resultado.. Tenho lá minhas dúvidas se Medina cometeria os erros que cometeu ou se Toledo deixaria de conseguir uma segunda nota se fosse uma etapa do CT.
Talvez o grande mérito de nosso colega de fórum seja enxergar tais nuances, equilibrando os parâmetros "evidência" e "história" quando faz suas análises.

João Guedes disse...

Arthur


Valeu, camarada. acho que vc está certo