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terça-feira, 22 de dezembro de 2015

E o ano de 2015 termina... Com ele, consciência e vaticínios..

Vou para Bahia… Depois de muitas viagens para tratar das coisas de trabalho, especialmente a última que fiz para Israel, com uma derradeira parada em Paris durante o atentado, prometi a minha mulher férias em um lugar com sol e, por que não, com algumas ondas … Sejamos francos camaradas, nada é mais tranquilo do que as águas mornas da terra de Caymme… É tempo de encerramento das atividades, de recompor as energias, de fazer balanços sobre o ocorrido… Confesso que não tenho um espirito melancólico, embora, vez ou outra, ressinta-me de não ter dedicado-me a viver plenamente alguns momentos do passado… Coisa de gente atarefada, movida para resolver o próximo problema, o qual, inevitavelmente, exige sempre dedicação e energia… E, creiam-me, isso esgota qualquer um… Por isso, volto com frequência ao campo impreciso da memória, sempre traiçoeiro, a fim de por ordem na casa…

Israel, um surfista entre as ruinas
Paris, um dia após os atentados....


2015 começou com um projeto, arduamente desenhado, nos extertores do ano em que Gabriel ganhou o caneco… Havia prometido a mim mesmo viajar para, pelo menos, duas etapas do mundial… A primeira seria na África do Sul em Julho, tempo de férias escolares… Aproveitaria a ocasião para levar as crianças ao velhíssimo continente a fim de verem os bichos na natureza e, assim, ludibriaria a minha mulher, algo cansada com as minhas restrições: viagem tem de ter uma bancada onde possa, durante uma ou duas horas por dias, molhar o corpo na água salgada… Com elefantes e leões soltos nas savanas, talvez ela não se importasse de assistir algumas baterias na Bahia de Jefrey… A segunda, Portugal… Comida boa, onda para todo mundo, gente bacana e o conforto de falar a minha língua em terras longínquas… Pois bem, a crise veio e, com ela, o trabalho aumentou tanto que foi muito difícil encontrar um intervalo nas atividades profissionais para suspender o juízo… O projeto, portanto, deu em água… Os meus planos secretos resumiam-se em escrever nesse blog bissexto com maior frequência, relatar aquilo a que assistiria durante essas duas etapas, tal qual fiz em 2014, na penúltima parada do mundial… Não consegui… e isso, devo confessar, deixou-me um certo gosto amargo na boca… Quem sabe em 2016 retome esse projeto e possa finalmente transforma-lhe em rotina, de modo que consiga, nos próximos anos, tornar-me testemunha ocular, pelo menos uma vez, de todas as paradas do tour… Quem sabe? O fato é que viajei bastante, mas sempre com uma extensa agenda de reuniões, muitos afazeres e, pasmem, munido de terno e gravata… Nunca imaginei, quando criança, ter uma vida tão longe da areia… Por isso, já não consigo contabilizar as vezes em que, durante uma conversa sobre números, larguei mão do real e imaginei-me numa praia, com poucos amigos, seis pés de onda e leve terral…

E temo que o mundo visto seja assim. Nova York, maio, um dia no parque enquanto esperava o melhor hambúrguer da ilha...

Talvez, por isso, lembre constantemente de uma conversa com Júlio Adler, numa de minhas idas para o Rio de Janeiro… Lá pelas tantas, um dos camaradas mais talentosos que conheci na vida, soltou, com ar displicente,  essa máxima: "Todo surfista teve a experiência da vagabundagem, de ficar na praia sem tempo para voltar para casa, esquecido entre uma caída e outra com os amigos… Mas não se engane, João, ser vagabundo dá muito trabalho…" É claro que Júlio falou isso com mais poesia e sabedoria do que esse relato de segunda mão pôde traduzir… À época, não lhe retruquei, mas, hoje, depois de ter matutado bastante, ensaio-lhe uma resposta:  Júlio, eu trocaria facilmente o trabalho árduo da vagabundagem pelo trabalho que me impede de ser vagabundo… Afinal, vagabundo de fim de semana, como tenho sido nos últimos anos quando encontro um fim de semana sem nada para fazer, não é vagabundagem, mas, sim, engano…

*****
Sujeito ao princípio de realidade, agradeci, em 2015, muitas vezes aos céus pela invenção da web… Não foram raras as ocasiões em que eu pude assistir, no conforto de casa, algumas etapas do mundial. Vá lá… confesso… Trocaria facilmente o meu escritório pelo sol na cachola, a areia e o vento. Mas não fui hábil o suficiente para construir essa vida… Alguma inveja tenho de Ricardo Bocão, Fred D’orey', Daniel Friedman e Tico de Souza… Esses camaradas souberam conciliar os afazeres do trabalho com o cheiro de maresia… Estamos ou não diante de uma sabedoria?
Para mim como para muitos de nós, restou a busca incessante por uma brecha… Porque pau que bate em Chico também bate em Francisco, assistir às etapas do tour e conversar com amigos sobre o que aconteceu revelou-se, então, uma canhestra compensação… Ainda mais nesse ano especial, repleto de mudança nos ventos… 
Adriano venceu… Gabriel consolidou-se como um dos maiores surfistas de todos os tempos; Felipe é, sobre uma prancha e com ondas de seis pés, o demónio encarnado; Ítalo é a maior surpresa não esperada da recente história do tour; Mick, o desafortunado, lembrou a todos com quantos paus se faz um caráter; Slater, acreditem, não morreu… Vejam que o Circuito, em 2015, parece ter se realizado num campo gravitacional para onde foram atraídos tantos e diversos vetores que, segundo muitos, anunciou-se como a mais fenomenal contenda de todos os tempos… Não tenho certeza de ser essa uma verdade incontestável, sobretudo, quando lembro de Curren a levar o caneco desde as triagens ou das guerras entre Irons e Slater… Mas qual a relevância dessa disputa pelo primeiro lugar? O que importa arbitrar sobre isso? Nada, creia-me, nada…
A beleza do surf de competição nasce, para mim, da representação de dramas humanos… A precisão das manobras, a coragem sempre testada, o controle dos nervos diante das tensões inerentes a uma disputa. Uma bateria encena, ao lembrar Nelson Rodrigues, os cinco minutos antes do nada… Estamos diante de camaradas que devem pôr à prova uma vida inteira na água salgada em apenas meia hora… É tudo ou nada, é matar ou morrer… A consciência surge, então, do seu abandono… Uma manobra de risco, a raiva com a qual se crava a borda na água, a espera pela última onda… Controlar os nervos, permanecer impávido diante da diversidade…
Adriano como Gabriel, Slater e Mick são, de acordo com essa perspectiva, os nomes de 2015… Há outros, é verdade…. Mas tentemos não ser abstraídos pela paixão… Os quatro tiveram, mais que seus pares - e não estamos a falar de talento ou capacidade - , de controlar as emoções para dar cabo de suas ambições… Como disse, certa feita, Júlio Adler, vagabundagem é sinônimo de trabalho duro… Quem um dia poderia dizer, com todas as letras, que um surfista tivesse tanto a dizer sobre a o mundo moderno como esses camaradas que parecem ter uma vida de sonhos, com viagens constantes para os mais bonitos paraísos da terra?
Quando adolescente, lembro-me de ter, longe dos palanques e premiações, de viver algo desse sentimento toda vez que o mar subia na minha aldeia… Controlar as emoções, ter domínio sobre o medo são condições fundamentais para qualquer um que ambiciona lançar-se no mar… 
Hoje, enraizado no mundo do trabalho, eu sei que o surf ensinou-me muito mais do que saber qual a natureza de um devaneio em meio a uma  exaustiva reunião de trabalho… O mundo de pranchas, parafinas e ondulações possibilitou-me criar bases segurar para o que veio depois da época das tardes livres nas bancadas da Reserva da Marinha…  Quando penso em viajar para pegar onda, penso em viver novamente, num novo recomeçar, o encontro comigo mesmo, com o tempo sem fim… Que o ano de 2016 seja o endereço para que eu consiga enfrentar, se minha coluna assim permitir, uma ondulação grande, com os camaradas… Que seja o ano em que possa assistir àqueles indivíduos, fora da curva normal, testarem a si mesmos com a mesma força que tiveram num dos anos mais emocionantes do circuito mundial… Tomara que consiga ensinar aos gêmeos, com nove anos, a amar a beleza de um line up no fim de tarde como ensinei a Júlia, minha filha mais velha… Tomara que Júlio Adler volte a escrita com a regularidade que tanto esperamos dele… Tomara que Felipe Toledo seja campeão de uma etapa com 12 pés sólidos na Ilha Rei… Tomara que Slater volte a disputar o título…. Tomara que Adriano mostre novamente ao mundo a força de sua vontade…. Tomara que Gabriel seja apenas Gabriel, pois isso será suficiente… Tomara que eu consiga viajar para duas etapas do mundial… Tomara que sejamos, todos nós, mais felizes no ano que se anuncia…

4 comentários:

Caio disse...

Vou pra Minas, depois Chapada dos Veadeiros... Terras de boa comida, boa bebida, boas companhias, de calor humano. De montanhas e água doce em abundância, bem longe do litoral...
20 dias sem água salgada, sem sentir o cheiro e a brisa do mar, sem pegar uma única onda. Literalmente, interiorizando-me.
Para depois retornar ao louco ritmo de uma capital praiana, linda cidade média com problemas de cidade grande... Trabalho, casa, mulher, filhota, cachorros, e surf nas 25ª e 26ª horas do dia.
Mas antes disso, há um balanço previsto para amanhã à tarde, no final do dia, desses que precisamos remanejar a agenda para aproveitar, especialmente porque já é verão... Torço para a previsão acertar. Talvez a última queda do ano. Será daqui a 24h, mas meus pensamentos já foram tomados.

Sempre bom lê-lo!
Bom final de ano, João, e boas viagens.
Caio

Arthur disse...

João,

Eu tinha comentado no post anterior, deu algum bug aqui na tecnologia e sumiu, hehe, mas deixa pra lá, aproveito para te parabenizar por mais uma ótima análise.
Voltando ao atual, que belo post/reflexão hein, o colega está inspirado, hehe, tanta coisa foi abordada que não sei o que destacar.
O surf está presente em todos os momentos, por mais longe que possamos ficar do mar.. Creio que a maioria das pessoas que puderam viver tal experiência tem uma perspectiva diferente das coisas que pode ser aplicada em qualquer aspecto da vida.. A realidade das ondas, ainda que talvez seja mais uma fuga do que uma realidade distinta em si, realmente, nos ensina muito sobre como proceder nas mais diversas situações em terra.
Esses caras que conseguem encurtar a distância entre as duas "realidades" são mesmo abençoados, eu tava pensando justamente isso vendo o Bocão e o Antônio Ricardo na cobertura do Woohoo sobre Pipe.
Ótima abordagem sobre o surf competição. Por vezes, especialmente quando estamos elaborando algum comentário mais áspero, esquecemos que, além de uma competição, aquilo ali é a vida dos caras. Esse ano, esse aspecto foi intenso, vide os dramas do Fanning, a determinação obsessiva de Mineiro, as bonitas despedidas de Freddy P e CJ, dentre outros momentos.
No mais, fico feliz de ver que também ainda tem interesse em ver o KS no tour, também sou do time que acha que o careca ainda tem lenha para queimar. Quando as coisas ficam sérias, ele ainda é um ET, como demonstrou no penúltimo dia em Pipe. Ultimamente, tem crescido o número daqueles que estão querendo aposentá-lo, até parte da mídia gringa entrou nessa com afinco. Por mim, deixa o maluco no tour mais uns anos ainda! Hehe.
No mais, boa viagem e aproveite a Bahia! Dessa vez, vou ficar pelo meu Ceará mesmo e aproveitar a temporada de ondas por aqui, ontem e hoje deu uma acordada, rs.
Boas festas e um ótimo 2016, João!
Abs!

João Guedes disse...

Caio e Arthur....
Valeu por esse ano, camaradas.... Vamos descansar que fevereiro está logo ai..
Arthur, Paracuru foi uma das minhas ondas de adolescência....
abs,
João

Arthur disse...

João,
Que bacana.
Eu amo Paracuru.
Agora é época de boas ondas por aqui, pretendo em breve dar uma subida pra lá.