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domingo, 20 de dezembro de 2015

E Adriano venceu...


      Adriano venceu… Em condições adversas, o menos favorito entre os favoritos levou o caneco de 2015… Os últimos acontecimentos ao redor de uma vida dedicada a treinos exaustivos e comprometimento sem limites foram relatados, exaustivamente por anônimos e por gente de notória reputação na última semana, nos cinco continentes. Aqui e alhures, os comentários  seguiram uma mesma toada: ora de exaltação eufórica, ora de leve ressentimento contra a derrota do homem que enfrentou um tubarão nas águas frias da África do Sul e quem assistiu, sem nada poder fazer, à morte do irmão mais velho durante à última e mais esperada etapa do surf mundial.
O mundo, em dezembro, dividiu-se, mais uma vez, em campos opostos, cindido por opiniões contrárias e apaixonadas que, aliás, sempre acompanharam o camarada do Guarujá desde que ele entrou no seleto grupo do WCT..
Uma aproximação cuidada, todavia, a tudo que se escreveu nesses últimos dias ao redor da coroação de Adriano revela; no substrato das análises com as quais os olhos do nosso mundinho arbitraram sobre os acontecimentos; um denominador comum: a identidade do esforço, do trabalho duro, da perseverança como o traço característico do mais novo integrante do seleto grupo de campeões mundiais. Creiam-me, não reconheço em nenhum outro, tais adjetivos… O circuito, exceção feita ao alisador de ondas Damien Hardman, sempre consagrou surfistas excepcionais… Não há dúvidas que campeão mundial é sinônimo de excepcionalidade. Tompson, Poter, Slater, Occhilupo, Richards, Irons, Carrol, Curren, Gabriel…
O circuito realizou-se, até agora, sob o signo do extraordinário… Camaradas que, pelo surf, constrangeram gerações de surfistas de fim de semana seja pela coragem, seja pelo estilo exaustivamente emulado nas parias de todo mundo, ou ainda pela forma como conduziram as suas pranchas a uma linha incapaz de ser vista por nós, pobres mortais, acostumados ao breu e à indefinição… Já não consigo dizer quantas vezes completei ondas em que acreditei dignas dos grandes… Embora soubesse que há uma insuportável monotonia no meu surf, sempre há um momento, uma rasgada, uma batida, um tubo que, por obra do acaso, pareciam-me fora de esquadro, além do esperado… O excepcional para o surfista comum é a regularidade para o extraordinário…
Conviver com a certeza de que é impossível transpor a barreira que separa o talento nato da determinação não parece ser algo estranho para qualquer um de nós… Em todas as atividades humanas, e o surf, não duvidem, é uma delas; torna-se muito fácil identificar quem nasceu para coisa e quem, como eu, sonhava, ainda criança em participar um dia do circuito… Cada vez que assistia ao Léo Trigo surfar na Barra da Tijuca, lá pelos meus 13 anos, sabia que estava tão longe, mas tão longe… E vejam, o surf de Léo Trigo, embora fosse um dos meus modelos na primeira fase de minha adolescência, não causou em mim, nem de perto, o mesmo estrago provocado por Gabriel Medina, aos catorze anos, num campeonato em Florianópolis…
O surfista comum, por melhor que seja, torna-se objetivo alcançável. Treino diário, equipamento certo e, melhor dizer, alguma aptidão para o negócio podem tornar qualquer um respeitado no line up da aldeia… Mas para quem já tem rodagem, é impossível não distinguir a diferença entre o respeito e a admiração paralisante diante de algo excepcional… Uma vez, dividi o mesmo espaço de Curren, numa caída de fim de tarde… Na verdade, fiquei ali, sentado, a assistir aos movimentos minimalistas daquele que foi, para mim, o maior estilista de todos os tempos… A cada onda surfada pelo camarada, a consciência de minha tragédia aumentava. O meu destino era ser mediano…

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Não importa a latitude, a dicção, pressupostos culturais… Adriano parece ter exercido sobre si uma forte gravidade capaz de atrair olhares estupefatos de admiração. Os ressentimentos e os elogios foram, nesses últimos dias, dissolvidos, pouco a pouco, por um estranho sentimento especular, em que milhares de pessoas, em todo mundo, enxergaram no filho dileto do Guarujá algo capaz de driblar a tragédia do homem comum. Pois bem, Adriano não é ordinário justamente porque provou ser possível avançar sempre… O surf dele não é o mais bonito, embora seja um dos mais técnicos do planeta… Naquilo que era possível, evoluiu com determinação, superou o mal-olhado, a raiva e as condições adversas com uma força admirável… Apreendeu a não bater a prancha entre uma manobra e outra, a fazer uma das cavadas mais bonitas da história do surf, a cravar a borda na água sem compaixão…
Treino, treino, treino… Eis o mantra de Adriano… A trajetória do camarada inspira todos nós, confere uma luz de esperança em nossas vidas porque afirma que nada está interditado… Entretanto, a excepcionalidade do último campeão mundial não é a mais mundana das excepcionalidades. Ela não está à mão de qualquer um, embora não seja comum encontrar aqui e acolá gente obstinada como ele… Não nos enganemos, o feito do rapaz foi, certamente, um dos mais bonitos e extraordinários que ja se teve notícia… Somente um tolo ignoraria a grandeza do campeão mundial de 2015… Afinal, quantas pessoas conhecemos que, a despeito da força de vontade, caíram ao longo do caminho, enfraquecidos pela grandeza dos obstáculos postos `a sua frente? Quantas? Dessa consciência, surge o mais enigmático  dos paradoxo; é possível apreender sempre e desenvolver-se em qualquer atividade, mas, para isso, você deve possuir uma obstinação que não se encontra por ai… Excepcional, pois, é não dobrar a coluna jamais; permanecer constantemente humilde para aprendizagem e forte o suficiente para não desistir…
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Na Grécia Antiga, terra de histórias de feitos extraordinários, surgiu, pela primeira vez, a palavra herói… Ela designa o túmulo daquele que, após a morte, será lembrado pelas gerações futuras… Ulisses, o mais sábio; Aquiles, o colérico; Ajax, o grande, o forte… A imortalidade nasce da perplexidade diante dos grandes feitos que, de modo inequívoco, revelam para o restante da humanidade, a possibilidade de romper a fronteira que cerceia o homem comum…. 

Adriano, por isso, parece ter sido algo apressado quando afirmou que esse título será rapidamente esquecido… Tenho com meus botões que o ano de 2015 seja, justamente, lembrado como o tempo em que devemos sempre voltar para reafirmar a certeza da possibilidade.
O talento, aqui, é a perseverança… E, para sermos francos, ele é tão impressionante como a naturalidade do estilo de Curren, a bestialidade de Carrol, a inexplicável aptidão do E.T. Por isso, o título de Adriano é dele e de todos que contribuíram para ele dar vazão ao seu caráter… Patrocinadores, Pinga, irmão mais velho, amigos que o abrigaram e permitiram-lhe ser… aquilo que tanto sonhou…

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       Termino esse texto com a última parte de um artigo que publiquei nesse malfadado blog, dias depois da etapa de Peniche… Embora já seja conhecido de alguns, ele resume aquilo que penso do mais novo campeão mundial de surf…

"Adriano, nunca torci tanto por alguém como torci e torço para esse camarada… O caneco de 2015, por mim, seria dado para mineiro sem qualquer razão ou explicação. Simplesmente, acho que ninguém merece mais esse título do que o mais determinado dos surfistas… É notável como ele desenvolveu o seu surf nos últimos dez anos… lindo de ver… Entretanto, nenhum outro surfista desperdiçou tantas chance de liquidar a fatura como Adriano… Toda vez que ele se encontrou à frente na disputa, sem exceção, parece ter perdido algo imprescindível para os campeões: a concentração… Adriano é um caçador, daqueles que ninguém gostaria de ter em seu encalço… Parece ser alimentado pela busca do primeiro lugar, mas parece  não ter encontrado qualquer conforto quando alcança tal objetivo… Uma vez, ainda na primeira perna do tour, sugeri que procurasse Charles para treiná-lo no restante de 2015… Achei uma boa idéia, e ainda acho… mas Gabriel voltou e essa improvável parceria desfez-se em ar rarefeito… Em Pipe, Adriano estará só, à caça… e talvez isso seja suficiente para torná-lo campeão… Se isso acontecer, farei cinco dias de voto de silêncio entre os meus, em reverência ao maior exemplo de obstinação que vi em qualquer esporte, especialmente no surf…  


   Que venha o arquipélago, onde crianças separam-se de adultos… E, se estiverem comigo, camaradas, torçamos para que o caneco seja de quem, de fato, o merece…."

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto João! Conseguiu descrever perfeitamente do que é feito Adriano De Souza, talento, mas acima de tudo, dedicação, suor e trabalho!

Abraços!

Eduardo