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domingo, 26 de abril de 2015

Texto para o título de Gabriel...

Publicado dois dias depois do caneco em Pipe...

Para os mais velhos, não é desconhecida a memória de grandes esportistas, de vitórias emblemáticas, de herói daqui ou de terras distantes cujos feitos uma vez nos encheu de respeito e admiração. Ao rememorar o passado, mergulhar no breu da memória, tenistas, jogadores de futebol, meninas esguias do voley ganham corpo e densidade... Todavia, não me lembro de ter vivido uma emoção tão arrebatadora como a de ontem com a consagração de Gabriel nas areias do arquipélago.
O modo pelo qual se organizaram os acontecimentos que deram fim a uma espera de mais de três décadas traçaram um caminho repleto de simbologia e, por que não, constituiram uma resposta para quem ainda precisava de uma. O fato é que Gabriel e sua estória, além de comover qualquer pessoa cujos pés lambuzaram, alguma vez, a água salgada, romperam as fronteiras do nosso pequeno universo limitado por pranchas, roupas de borracha e narrativas de dias épicos com amigos em uma praia deserta do mundo. Gabriel e sua estória, sem que ninguém nos avisasse, tornaram-se um grito de desagravo contra todas as formas de opressão e de dificuldades escusas com as quais qualquer adulto uma vez ou outra teve de se haver. Tantas foram as dificuldades, as desconfianças... Tantas foram as dúvidas de que o mundo permitiria a vitória do talento... Por semanas, os entendidos e os novos admiradores do filho de Charles projetaram, nos inúmeros fóruns de discussões, os seus receios, as suas inseguranças contra a ASP, contra a porta de trás da mais famosa onda do mundo, contra os mais adaptados ao arquipélago...
O resultado... O que vimos ontem, entre lágrimas e uma estranha sensação de redenção foi o maior cala boca da história do surf e, quem sabe, entre os maiores da historia do esporte. O menino eliminou um dos grandes favoritos das casas de aposta, tirou um dez de costa para onda, quase levou um dos títulos mais cobiçados do surf... Até ontem, nenhum de nós seria capaz de prever o que aconteceu ontem... Ninguém... Eram tantas e tão poderosas forças contra o menino de fala tímida, sempre cercado pelos seus.... A sua vitória congrega, por isso, uma força que, malgrado a vontade de muitos de reconhecerem que os seus ídolos também são amados por pessoas estrangeiras ao universo das praias, comove a tudo e a todos...
Há algo que, acredito, une o homem comum ao caminho de Gabriel, algo que moveu milhares de pessoas para frente de seus computadores e celulares na noite de sexta-feira.... Sem que percebesse, no último mês, as rodas de conversa versaram sobre a bancada de Pipe... À medida que esse murmúrio avançava para além da areia, um certo ciúmes tomou conta de mim. Estranho e perverso sentimento... Afinal, Gabriel era de quem sempre surfou, de quem passou noites em claro a acompanhar os nossos meninos, de quem muito discutiu nos fóruns especializados...
O que não conseguia ver... Há algo de emblemático na estória desse menino que impede que ele seja somente nosso. A vitória dele se pôs, de modo nem sempre claro, contra o chefe proselitista, contra as dificuldades de uma formação precária, contra a concorrência desleal dos bem nascidos... Afinal, Gabriel venceu a ASP, os anos de aprendizagem em fundo de areia, mesmo Maresias sendo Maresias, e, sobretudo, a altivez de quem nasceu além mar... A sua estória é do surf, mas também é do mundo...
***
Hoje, acordei com estranho sorriso... Beijei as crianças, abracei a minha mulher... Contra as recomendações médicas cujo intuito eram preservar-me a coluna desgastada, fui para a praia...
Entrei na água, sobre um prancha enorme... As ondas pequenas davam uma sensação de lagoa... Ao meu lado, minha filha mais velha... Enquanto esperava a próxima série.... Chorei... Sem motivo, sem razão... Lembrei de ontem, dos dias em claro, da conversa nos fóruns....
A coroação de Gabriel foi uma linda resposta ao mundo e um enorme exemplo para todos...
O milagre tornou-se adulto... Como muitos de vocês, eu vi..... Depois de tudo, de refazer em lembrança a ordem desse enorme feito, resta apenas o obrigado ao Gabriel, ao Charles e à Simone... Afinal, foram eles que, no limite, possibilitarem a mim assistir à mais linda vitória de um atleta do esporte que tanto amo...

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