5 de maio, 2015
Saquarema…
Quando mais jovem, Saquarema era o anteposto obrigatório para quem ambicionava surfar ondas de consequência para além das nossas trincheiras. O relatos de ondulações enormes, da força do mar e, curiosamente, a mística daquela praia que se encontra aos pés de uma igreja povoavam a imaginação de quem conviveu com aqueles camaradas que, em meados da década de 70, transformaram Itauna em sua casa… Acostumado com as revistas especializadas da época de minha adolescência, confesso que Saquarema sempre me remete a um certo sentimento nostálgico, no qual imagens características de um tempo de festivais de rock, cabelos compridos e pranchas com um raio sobre a longarina associam-se imediatamente…
Nos anos 80 e 90, a rapaziada que surfava no Rio de Janeiro, independente da idade, apontava os bicos de suas pranchas para Búzios, a cidade do momento… Linda, selvagem, repleta de gente bacana, mas, pasme, com ondas… bem… com ondas legais… A península, quando o assunto era surf, não fazia nenhuma frente à Saquarema… Para a minha geração, sobretudo a de meus amigos… a onda de Itaúna permanecia atrelada às histórias dos mais velhos e distante dos nossos fins de semana… Coisas de adolescente… Vá entender qual a lógica que regula a cabeça de um menino com quase dezoito anos…
Raoni….
O primeiro renascimento de Saquerema para mim ocorreu graças a Raoni Monteiro… Menino de surf nervoso, que trazia consigo uma força nas pernas rara quando comparada a dos camaradas que surfavam entre o Leme e a Prainha, o trecho mais bonito de todo litoral carioca, independente dos prédios, carros e muvuca nas areias… Raoni ganhava tudo e, quando não o fazia, o espetáculo era, invariavelmente, conduzido pela linha agressiva de seu surf… Não sei bem como se iniciou o movimento de vincular a qualidade das patadas do menino à sua formação em Itauna… O fato é que isso aconteceu e, subitamente, já distante do Rio de Janeiro, lancei-me para uma viagem rumo ao litoral carioca…
As condições daquele feriado, na segunda metade da década de 90, materializaram, em mim, todas as histórias que ouvi e ajudaram-me a compor o imaginário ao redor daquela praia, cuja esquerda revelava-se na gramatura dos 16 mm, plataforma comum aos filmes de surf de um tempo de inocência e grandes feitos… A memória da viagem, contudo, compõem-se de cores fortes, sol a pino, a sensação da areia muito quente e do barulho das séries que quebravam longe, com ondas grandes… O tempo era de urgência e velocidade, o tempo era regido pela sobrevivência no aqui, no agora
No mar, muitas cabeças disputavam as longas esquerdas que terminavam ocas no inside… O caldo era forte, o pulmão sentia o tempo e a turbulência em abaixo da água… Raoni estava lá… O rei do pedaço, o filho dileto, o surf mais violento daquele dia… A reverência era sentida pelo olhares trocados entre nós a quem assistíamos tudo, de perto, impressionados com a força e a rapidez de cada manobra. As patadas sucediam-se, uma após a outra, a prancha saia inteira e fazia com que as cabeças concentradas na próxima ondulação se voltassem para praia num ritual que se repetiu durante toda manhã…A maior da série era dele… Sempre que subia na prancha, toda arrebentação suspendia a respiração e acompanhava o vai e vem do camarada enquanto todos imaginavam a linha desenhada por ele…
Quando lembro do Raoni, pergunto-me, vez ou outra, quais foram os exatos caminhos percorridos por ele naquelas ondas… Em raros momentos da minha vida, talvez preferisse estar na areia, naquela manhã, do que entre os meus na linha da arrebentação. Enquanto escrevo, o fluxo da memória reflui e, em suspensão, pergunto-me o que, de fato, ocorreu em 2014… Um dia, se tiver chance, perguntarei a ele… O fato é que Saquarema apresentou-me o surf de Raoni, quem sempre será aquele que arrebentou no dia do meu primeiro encontro com a mitológica Itaúna… Desse dia, admiração e a certeza de que o lugar era muito mais do que imaginei…
A era dos campeonatos
Aos poucos, sem que se fizesse muito esforço, Saquarema voltava para o centro do mundo do surf… As primeiras etapas do WQS ocorridas em Itaúna eram, pelo que lembre, patrocinada pelo refrigerante gasoso mais conhecido do planeta. Até mesmo o retorno ao palco central do universo competitivo trazia consigo o cheiro exalado da década de 70, tempo em que refrigerante era sinônimo de juventude e liberdade… No começo de tudo, as transmissões muito abaixo da média praticada na época eram compensadas pelas longas ondas que , por estranhos caminhos, materializavam na terrinha algo do surf praticado no arquipélago… Pranchas que cortavam longas paredes como manteiga quente faziam a borda protagonista das ações…Diga-se de passagem… O surf acima da linha é, de fato, muito impressionante e ditará a latitude do nosso olhar por muitos anos… Mas, sejamos francos, nada é mais bonito, repito mais bonito, do que um grande arco a desenhar a superfície lisa da ondulação…
Os melhores lá sempre são capazes de compreender algo da sintaxe característica de um tempo anterior à abertura dos céus para a vanguarda do novo século… Foi assim, é assim e, suspeito, será assim…
O mais impressionante dessa era de enormes palanques e horas dedicadas às transmissões foi a etapa que quebrou tão grande que ninguém possuía prancha com tamanho adequado para enfrentar a ondulação. Ainda posso escutar Ricardo Bocão, orgulhoso, a dizer que aquele espetáculo era Saquarema, que todos deviam saber o poder daquela onda… Ninguém acredita no que via enquanto os antigos moradores daquela vereda batiam no peito e exclamavam aos quatro ventos: isso é Itauna!, isso é Itauna, porra!!!….
A etapa da divisão de acesso, ano base 2015.
O chaveamento desse ano bem como os surfistas presentes anunciam o por vir… Nós teremos um grande campeonato… Muitos são os favoritos para etapa, o que já dimensiona o tamanho do problema… Muitos brasileiros na água, alguns com enormes chances de levar o caneco.. Wigolly e Alejo estão uma cabeça à frente… Os dois parecem feitos para Saquarema, ou seria o contrário? Acredito que eles serão os adversários mais duros a serem batidos pela legião estrangeira… Gosto muito de David do Carmo, embora suspeite que ele ainda tem um longo caminho pela frente até encontrar qual a real vazão de seu surf…. Além dele, Tiago Camarão… Já é hora desse menino ter uma chance no Tour… Tomara, Tomara…
Contra os brasileiros… Dusty, Freedy e Matt… É preciso um olho no gato, outro no peixe… O caminho está aberto.. A história será outra vez escrita… No caso de Itauna, a história poderá, mais uma vez, lembrar ao tempo presente que a linearidade dos acontecimentos pode ocorrer como reposição de um tempo que se forjou nos longos arcos dos rebeldes da década de 70… A conferir…
Ps: Saquarema, para mim, é sinônimo de Raoni Monteiro, surf de borda e onda grande….O resto é imagem decalcada do que, de fato, está em jogo…
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