Junior Faria
Junior Faria é um caso raro de quem é, ao mesmo tempo, muito bom em uma coisa e excelente em outra. Um dos surfistas mais promissores de sua geração, o camarada bateu na porta do Tour, munido de um estilo para lá de elegante e uma linha não menos admirável. Cansou da competição, ou sentiu que ela não fazia sentido nos moldes em que estava construída… Suponho que pensou isso, sobretudo, quando eu relembro os depoimentos dele frente à questão… Aliás, não foram poucos que se aventuraram em argui-lo do porquê de uma aposentadoria tão precoce… Junior Faria teve todas as condições de viver no WCT… Talvez essa certeza, que é minha e parece-me compartilhada por muitos, nunca tenha convivido bem com a recusa de ele seguir pelo caminho natural de um surfista profissional, cujo primeiro repouso, ainda que momentâneo, ocorre justamente na primeira lufada de ar nos pulmões após entrar na elite…Como sabemos, isso é um feito para poucos, para bem poucos…
Seja por um caminho, seja por outro, o camarada acabou por seguir o próprio desejo… Sempre tenho a impressão de que esse é o único modo de existir, embora saiba que tal escolha não é fácil… No instante em que esse movimento se faz motivado pela vontade de escrever sobre surf ou, ainda, pela inquietante vontade de explorar todas as dimensões dessa atividade em que homem, prancha e onda se encontram; vislumbramos o risco envolvido… Em tempo de alta competitividade e de práticas mercantis violentas, a escolha de Junior Faria poderia parecer insânia… Mas não foi…. e isso se deve, sobretudo, ao seu imenso talento…
O primeiro texto que li do camarada traz consigo uma imagem que, enraizada na minha memória, volta e meia torna-se presente e viva… Não lembro ao certo o tema ou o propósito do artigo, mas, em determinada hora, ele descreve, se a memória não me trai, que depois de voltar da escola, logo após assistir a vídeos de surf enquanto almoçava, ele e o irmão rumavam para praia ainda com o gosto de feijão na boca… O gosto de feijão do almoço… Quem, uma vez adolescente, não lembra dele enquanto a arrebentação era varada?
Quando morei no Rio de Janeiro, costuma ter essa mesma rotina e, acreditem, o mesmo gosto de feijão na boca antes de surfar… Poucas imagens são mais representativas para quem, brasileiro, já se dividiu, exclusivamente, entre o surf e os estudos do que a lembrança do almoço de todo dia… É preciso muita sensibilidade para captar o fragmento do cotidiano e, ao reduzi-lo a uma única sentença, reverberá-lo para além das fronteiras da experiência pessoal…
O olhar de Junior Faria, parece-me, observar com certo lirismo, certa saudades as coisas do mundo, principalmente, as coisas do surf… Lá estão as monoquilhas empoeiradas, as praias nunca visitadas, o código de camaradagem…. Paul Valery, crítico e poeta e francês do início do século XX, disse, certa feita: não me interesso por escritores, interesso-me por escritores que tenham um projeto… Para mim, Junior Faria é um raro caso de alguém que escreve sobre surf, mas o faz com tamanha consciência e disciplina que todo texto dele parece reverberar um mesmo sentimento… um mesmo projeto…
A linguagem é elaborada, português correto, pensado… Estilo refinado de artesão… O temas discorrem sobre algo além da vista, perdido no tempo ou alheio ao fluxo regular das coisas… Sempre aprendo com Junior Faria, sempre aprendo a ver e trazer para o meu tempo aquilo que, muitas vez pelos seus escritos, acreditei estrangeiro do presente… Quando comprei a minha primeira monoquilha, meses atrás, senti uma enorme alegria… Corri para praia, e quis, meio sem jeito, surfar como o camarada cujos textos lançam luz sobre a preservação de um espírito que, para mim, é próprio ao modo pelo qual, eu mesmo, compreendo o surf; isto é, além da indústria, além de vencer ou perder…
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Um comentário:
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Diogo ali do blog
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