JBay em… 2015 não apresentou os dias épicos de outros carnavais… Mas, sejamos francos, essa onda em condições imperfeitas ainda é o melhor do que o mar do ano no rio da minha aldeia… Para mim, quando o Tour pousa na África, estamos diante, perdoem-me Teahopoo, Pipe ou Fiji, da melhor vista da temporada… A bancada predileta de Shaun Tomson tem de tudo… surf de borda, tubo, longas paredes e, para os mais afoitos, a possibilidade de explorar o espaço aéreo… Não há viva alma que não aponte a baia como um dos endereços em que se separam os grandes dos medianos… Foi assim, é assim… e, suspeito, será assim por longos e rigorosos invernos…
Por vezes, esquecemos que JBay possui mais tubarão por metro quadrado do que banhista no posto nove durante os meses de verão… O esquecimento, todavia, não resiste às inúmeras barbatanas que cortam as águas frias de um dos países mais bonitos do mundo… Na África do Sul, não há viva alma que não tenha visto um tubarão no outside…Todos têm uma história para contar… Nunca acreditei nelas, pois suspeitava de que se tratava de um recurso para afastar os visitantes das inúmeras e perfeitas bancadas daquele país… A juventude sempre oferece o perdão para inconsequência e ao sentimento algo prepotente de invencibilidade… Ainda bem que, em algum momento, envelhecemos e temos a oportunidade de assistir às histórias contadas tornarem-se verdade ao longo da vida…
O fato é que não me lembro de saber de aparições de tubarão durante algum campeonato…, muito menos de etapas do Tour… Vasculho a memória, mas não consigo lembrar de algo semelhante ao que aconteceu com Mick nos primeiro minutos da final contra Julien… Não consigo… As imagens são impressionantes e já consigo ler nos fóruns daqui e alhures contra a etapa de JBay… Por pior que tenha sido o episódio, quase uma tragédia, não sejamos precipitados… Tubarões na África são como os corais do Thaiti, as cavernas de Pipe… Eles estão lá, eles estão lá… Ainda bem que o camarada, de grande caráter, está bem… Ainda bem que estão todos bem… Mas o mar tem dessas coisas… Para escapar de seus perigos, surf na etapa da Barra da Tijuca ou na piscina sonhada por Slater… Poderia ser isso, mas não seria mais o bom e velho surf… Quem já pegou onda alguma vez na vida atire a primeira pedra em quem nunca teve medo de encontrar um tubarão ou esfregar o corpo em coral afiado… Por sorte, o campeonato teve mais eventos do que esse… sobre eles, também devemos nos ater…
Aproximemo-nos…
Feliz é quem tem a possibilidade de assistir, ao vivo, ao encontro de Mick e Kelly na segunda semi-final… A bateria do campeonato… Uma aula de surf de borda, de leitura da onda… A cada virada do placar, a certeza de que a vanguarda, logo após o seu surgimento, não deve, por irresponsabilidade, acreditar que o passado nada vale… Ele vale… e muito… Basta um pouco de atenção no que se passou nos minutos que definiram o segundo finalista para uma verdade revelar-se de modo inconveniente… Os maiores representantes das duas gerações que antecederam a tempestade brasileira estão vivos e muito ainda tem para ensinar… O ET… bom… O ET é o que sempre foi… a melhor leitura de onda de todos os tempos somada ao estilo mais bonito no circuito desde Curren… Quando Kelly e Tom se encontram no mesmo enunciado… é melhor calar… Vai surfar bem… lá, em Plutão…, planeta de onde ele dever ter vindo ainda menino para cravar endereço provisório na Flórida…
Fanning, por sua vez, é o surfista que melhor encaixa uma manobra na outra entre todos os competidores do tour… exceção feita a Felipe Toledo quando as ondas estão abaixo de seis pés… A pressão do seu pé direito é tão forte que, mesmo com uma enterrada ou outra de sua borda, o fluxo da manobra não se interrompe e lá vai ele… para mais um esculacho… Desde os sinos, acho que o australiano está melhor do que nunca… Va lá… sempre tem alguém que afirma sobre o surf do camarada: robótico, cirúrgico… Para mim, qualquer surfista que ambiciona iniciar-se em competição, ainda criança, deve assistir, com humildade de aprendiz, as performances do rapaz boa gente… Que pena Irons não estar vivo… suspeito que ele adoraria, junto com os seus, ensinar alguma coisa para os mais jovens… O bom surf sempre entendeu o mar, buscou a linha prometida e o fez com rapidez e elegância…
O resultado da bateria pouco me importa… qualquer um poderia ter levado…Com mais tempo, o segundo poderia ser o primeiro e o primeiro levaria o terceiro lugar na etapa… Taí… Quando Mick e Kelly se encontrarem em JBay sem vento e com tamanho digno… a bateria deveria ter uma hora de duração… Atrasaria o campeonato? Tira 10 minutos de todas as contendas de G. Hall ou de M. Banting… pronto, teríamos tempo…
Mineiro…
"O surfista mais focado do Brasil…Aquele que merece, mais do que qualquer um nascido nessas veredas, ser campeão do mundo… O surfista brasileiro que mais evoluiu desde sua primeira temporada na elite…" Esses enunciados são comuns entre nós… Eu sou um daqueles que espero ver o dia em que Mineiro leve o caneco do Tour… Tenho muito respeito pelo filho dileto do Guarujá, pela sua postura e pela sua história… O camarada quer ganhar… Lembro-me de um vídeo no Thaiti… ele, há poucos metros de Slater… Ainda não havia ganho o respeito, conquistado nas últimas temporadas, de seus pares e, diga-se a verdade, estava distante de ser um dos pleiteantes ao título… Discorria sobre o seu surf, a sua evolução… ao fim… com um sorriso no rosto, afirmou algo mais ou menos assim: eu quero é dar um tapa naquela careca… O tom não era de desrespeito tampouco de prepotência… Adriano apenas não parece ter ídolos e, por isso, acredita ser sempre possível chegar lá… O fato… ele chegou… Se tiverem oportunidade, assistam aos vídeos do primeiro ano no WCT e os compare com as últimas aparições de 2015… Adriano cresceu muito e se tornou, para valer, um sério candidato ao sonhado título de campeão mundial…
O problema é que a camisa amarela lhe foi oferecida, por mérito e competência… Administrar a liderança é muito diferente do que chegar a ela… Até agora, Adriano serviu-se de todas as armas disponíveis… Contratou Peterson Rosa para acompanhá-lo em algumas etapas, organizou a sua rotina de treinamento a partir de uma planilha espartana encontrada, por uma escavação arqueológica, na península balcânica, passou uma temporada no arquipélago e fez final em Pipe… Tudo, realmente tudo, ele fez para liderar o ranking… Contudo, o primeiro lugar chegou e com isso um peso, com densidade inesperada, parece ter caído sobre seus ombros… Adriano tem surfado diferente desde que precisou se transformar naquele que todo mundo persegue…
Eu, se é que posso sugerir algo, mudaria a minha estratégia e buscaria ajuda em outras veredas… Mas quem, de fato, poderia orientá-lo nesse momento… Apenas uma pessoa parece-me apta a ajudar Adriano nesse momento… E, por mais estranho, o nome de Charles, pai do Gabriel, surge sem ressalvas… Por que? Ora, Charles é o único treinador brasileiro que tem a experiência de liderar e manter o seu atleta na ponta do Tour… Houve o problema em Portugal, é verdade… Mas houve Pipe em seguida… e aguentar aquilo não deve ter sido tarefa fácil…Charles blindou Gabriel de tudo e de todos durante os momentos mais difíceis que tiveram em 2014… Porque Medina não tem mais chance nesse ano, o olhar de Charles, com anuência do atual campeão mundial, poderia voltar-se para Adriano… Afinal, Mineiro precisa aprender a ser líder… Ele não pode, não ele, deixar novamente a onda da série passar, no final da bateria, com a prioridade na mão… Isso não…
Felipe, Alejo e Gabriel…
Felipe é jovem… verdade… Até agora, não acho que ele perdeu aquela bateria para Alejo… Se mares de seis pés são decididos por ondas da série… Ora, basta pegar as maiores… Atletas de alto rendimento sofrem durante o seus percursos, de modo desigual, a influência de elementos externos, os quais nem sempre tem consequência positiva… Ouso afirmar que nenhum surfista brasileiro, até agora, vivenciou a aceitação que o filho de Ricardo alcançou entre seus pares nas primeiras etapas de 2015… Confiança, a consequência… Confiança demais pode ter provocado no camarada a suspeita que venceria, mesmo com as intermediárias… Para mim venceu, mas eu não decido… Se quiser ganhar, tem de ser incontestável… nas ondas maiores… o resto, Felipe tem de sobra…
Alejo tem um surf que lembra Jeremy, mas uma índole que evoca a de Fanning… Estamos diante do surfista brasileiro em atividade mais bacana entre todos… Sempre sorriso no rosto, sempre querido pelos amigos… O seu surf evoluiu muito em um ano, mas não acredito que ainda se encontre pronto para ficar entre os dez melhores… Torço muito pelo seu surf de borda e pela sua agressividade contra a parede lisa da onda… mas ainda há um longo caminho a percorrer…As quartas de finais constituem um aviso… há uma grande barreira para romper… Espero que consiga…
Gabriel, por sua vez, não conseguiu ainda superar o quinto lugar em 2015… Tudo bem… Perdeu com dignidade para Slater e… um ano ruim não implica nada além disso. Gabriel é o meu favorito sempre… Se não deu agora, dará na próxima… Aprendi a não duvidar do rapaz…
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domingo, 19 de julho de 2015
quinta-feira, 16 de julho de 2015
O periodo de espera em JBay... 2015
Espera…
A relação do surfista com o mar é, essencialmente, pontuada pela espera… Não há viva alma que, uma vez sobre uma prancha, não se viu obrigada a cultivar uma relação com o tempo alheia ao imediatismo ou à imposição da vontade… Aguardamos a ondulação prevista, a série anunciada, a mansidão do fim de tarde e a promessa de uma viagem sonhada em que o mar inteiro será somente nosso… Com a idade e a imersão no mundo do trabalho, o desejo de uma suspensão nos afazeres quase sempre encontra endereço no vai e vem desocupado da arrebentação… Eu, confesso, gosto de tudo que envolve a onda surfada… da remada, por vezes, cansativa; de sentar na prancha e reencontrar a tranquilidade da respiração perdida… sobretudo, eu tenho especial afeição pelo momento em que assisto à onda levantar… Os trinta segundos que me separam do drop são, inevitavelmente, o instante em que o tempo suspende o seu fluxo para refazer, mais uma vez, a comunhão com a natureza… o futuro decide-se ali… no posicionamento certo…quando tudo acontece… É preciso, pois, encontrar a linha da onda… não lutar contra o mar, mas, sim, entendê-lo… compreender os seus desejos e, com sorte, corresponder àquilo que, a mim, se apresenta…
A espetacularização do mundo
Para quem ama surfar e apreendeu a ver beleza na intensidade de um campeonato, creio ser impossível permanecer, sem um sorriso no canto do rosto, quando somos obrigados a esperar pelo momento em que o mar permitirá, enfim, a realização das baterias previstas… No intervalo de uma chamada e outra, os fóruns especializados são invadidos por um cem numero de postagens ansiosas, irritadiças contra tudo e contra todos… Sejamos francos… quando o alvo é o comissário do Tour… bom, vá lá…. sempre concordo com os desagravos, corretos ou não… Confesso que nutro especial implicância contra o camarada… Surfista mediano que se regozija em poder decidir quando o espetáculo deve começar…
O fato é que a minha atração pelo surf competitivo, curiosamente, não encontra razão no ritmo compassado ao qual qualquer surfista ordinário vê-se obrigado a viver, dia após dia, em todas as praias do mundo… Surf competitivo, quase sempre, é a luta do surfista contra os seus limites físicos e mentais… Aguentar a pressão dos trinta minutos, explorar cada pedaço da parede, encaixar uma manobra na outra com a precisão de quem não pode errar são o contorno de uma luta sem fim do homem consigo mesmo… Qual a fronteira que limita a condição humana? Quem será capaz de driblar o destino e transformar-se em sujeito de sua vontade? As perguntas que antecedem a um campeonato, quase sempre, incidem no amplo universo da existência trágica, na qual cada um dos trinta e dois integrantes do tour se põem à prova a fim de trair as expectativas que, teimosamente, insistem em determinar o destino…
Não mintamos… quando uma etapa começa… com todos ali… as cartas são lançadas e, por mais que esperemos a surpresa, raro é encontrar algo fora do roteiro previamente escrito… Aquele cairá na terceira rodada, o outro chegará nas quartas… A semi-final ocorrera com os mesmos de sempre… Para mim, quem está nesse barco há muito, qualquer campeonato torna-se digno de lembrança quando algo escapa do previsto… Na verdade, o que menos me interessa é a espetacularização da contenda… Entenda-se espetáculo como sinônimo de uma previsibilidade em tom exagerado… Perceber o fim anunciado tem o mesmo gosto de assistir a um show em que conhecemos todas as músicas, sua seqüência e os seus arranjos… Quando a novidade resume-se ao jogo de luzes e a intensidade dos decibéis… o mundo parece-me sem graça, sem aderência…Há, pois, certo tédio em tudo isso… Afinal, o espetáculo sempre é, para mim, reflexo do previsível, espelho invertido de uma espera curiosa, de um aguardo verdadeiro pelo que está por vir… Campeonato quando é espetacular, no sentido que dou ao termo, é sinônimo de anti surf…. uma traição contra aquilo que aprendi e aprendo cada vez que entro no mar… Não sei bem por quê… mas o comissário do tour, e seus comparsas, constituem uma espécie de demiurgo do eterno retorno do mesmo… algo para lá de desprezível…
A sorte da reversão da medalha…`
Nos últimos dois anos, impulsionados pela troca de guarda, o Tour ganhou nova coloração. Afinal, ninguém movimenta o PIB do surf mundial sem que estruturas sejam abaladas, novidades surjam e verdades inesperadas se consolidem no lugar de certezas inquebráveis…
O tempo tem um curioso efeito, em tempos de fluidez, de transformar o tempo decorrido há pouco em pintura rupestre… 2014 terminou, Gabriel sagrou-se campeão… cinco etapas depois, o jogo é outro e as apostas mudaram de mesa… A cada parada do Tour consolida-se a sensação de que há muito tempo não estamos diante de um campeonato tão aberto de possibilidades… Ainda que algumas coisas ainda permaneçam previsíveis, a balança em 2015 pende sensivelmente à surpresa…
Vejamos JBay… Felipe perder, possível… Owen cair na terceira fase? Sério? Depois do que vimos em Fiji? Alejo voltar com tanta força? Torço por ele, mas o menino parece ter decidido tomar às rédeas do seu destino… E Gabriel… Bom, Gabriel parece gostar de contrariar o que se espera dele…
O surf competitivo, nesses tempos de espera, ganhou novo contorno para mim… E admito: não tenho tido nenhuma pressa em ver o ano terminar…
A relação do surfista com o mar é, essencialmente, pontuada pela espera… Não há viva alma que, uma vez sobre uma prancha, não se viu obrigada a cultivar uma relação com o tempo alheia ao imediatismo ou à imposição da vontade… Aguardamos a ondulação prevista, a série anunciada, a mansidão do fim de tarde e a promessa de uma viagem sonhada em que o mar inteiro será somente nosso… Com a idade e a imersão no mundo do trabalho, o desejo de uma suspensão nos afazeres quase sempre encontra endereço no vai e vem desocupado da arrebentação… Eu, confesso, gosto de tudo que envolve a onda surfada… da remada, por vezes, cansativa; de sentar na prancha e reencontrar a tranquilidade da respiração perdida… sobretudo, eu tenho especial afeição pelo momento em que assisto à onda levantar… Os trinta segundos que me separam do drop são, inevitavelmente, o instante em que o tempo suspende o seu fluxo para refazer, mais uma vez, a comunhão com a natureza… o futuro decide-se ali… no posicionamento certo…quando tudo acontece… É preciso, pois, encontrar a linha da onda… não lutar contra o mar, mas, sim, entendê-lo… compreender os seus desejos e, com sorte, corresponder àquilo que, a mim, se apresenta…
A espetacularização do mundo
Para quem ama surfar e apreendeu a ver beleza na intensidade de um campeonato, creio ser impossível permanecer, sem um sorriso no canto do rosto, quando somos obrigados a esperar pelo momento em que o mar permitirá, enfim, a realização das baterias previstas… No intervalo de uma chamada e outra, os fóruns especializados são invadidos por um cem numero de postagens ansiosas, irritadiças contra tudo e contra todos… Sejamos francos… quando o alvo é o comissário do Tour… bom, vá lá…. sempre concordo com os desagravos, corretos ou não… Confesso que nutro especial implicância contra o camarada… Surfista mediano que se regozija em poder decidir quando o espetáculo deve começar…
O fato é que a minha atração pelo surf competitivo, curiosamente, não encontra razão no ritmo compassado ao qual qualquer surfista ordinário vê-se obrigado a viver, dia após dia, em todas as praias do mundo… Surf competitivo, quase sempre, é a luta do surfista contra os seus limites físicos e mentais… Aguentar a pressão dos trinta minutos, explorar cada pedaço da parede, encaixar uma manobra na outra com a precisão de quem não pode errar são o contorno de uma luta sem fim do homem consigo mesmo… Qual a fronteira que limita a condição humana? Quem será capaz de driblar o destino e transformar-se em sujeito de sua vontade? As perguntas que antecedem a um campeonato, quase sempre, incidem no amplo universo da existência trágica, na qual cada um dos trinta e dois integrantes do tour se põem à prova a fim de trair as expectativas que, teimosamente, insistem em determinar o destino…
Não mintamos… quando uma etapa começa… com todos ali… as cartas são lançadas e, por mais que esperemos a surpresa, raro é encontrar algo fora do roteiro previamente escrito… Aquele cairá na terceira rodada, o outro chegará nas quartas… A semi-final ocorrera com os mesmos de sempre… Para mim, quem está nesse barco há muito, qualquer campeonato torna-se digno de lembrança quando algo escapa do previsto… Na verdade, o que menos me interessa é a espetacularização da contenda… Entenda-se espetáculo como sinônimo de uma previsibilidade em tom exagerado… Perceber o fim anunciado tem o mesmo gosto de assistir a um show em que conhecemos todas as músicas, sua seqüência e os seus arranjos… Quando a novidade resume-se ao jogo de luzes e a intensidade dos decibéis… o mundo parece-me sem graça, sem aderência…Há, pois, certo tédio em tudo isso… Afinal, o espetáculo sempre é, para mim, reflexo do previsível, espelho invertido de uma espera curiosa, de um aguardo verdadeiro pelo que está por vir… Campeonato quando é espetacular, no sentido que dou ao termo, é sinônimo de anti surf…. uma traição contra aquilo que aprendi e aprendo cada vez que entro no mar… Não sei bem por quê… mas o comissário do tour, e seus comparsas, constituem uma espécie de demiurgo do eterno retorno do mesmo… algo para lá de desprezível…
A sorte da reversão da medalha…`
Nos últimos dois anos, impulsionados pela troca de guarda, o Tour ganhou nova coloração. Afinal, ninguém movimenta o PIB do surf mundial sem que estruturas sejam abaladas, novidades surjam e verdades inesperadas se consolidem no lugar de certezas inquebráveis…
O tempo tem um curioso efeito, em tempos de fluidez, de transformar o tempo decorrido há pouco em pintura rupestre… 2014 terminou, Gabriel sagrou-se campeão… cinco etapas depois, o jogo é outro e as apostas mudaram de mesa… A cada parada do Tour consolida-se a sensação de que há muito tempo não estamos diante de um campeonato tão aberto de possibilidades… Ainda que algumas coisas ainda permaneçam previsíveis, a balança em 2015 pende sensivelmente à surpresa…
Vejamos JBay… Felipe perder, possível… Owen cair na terceira fase? Sério? Depois do que vimos em Fiji? Alejo voltar com tanta força? Torço por ele, mas o menino parece ter decidido tomar às rédeas do seu destino… E Gabriel… Bom, Gabriel parece gostar de contrariar o que se espera dele…
O surf competitivo, nesses tempos de espera, ganhou novo contorno para mim… E admito: não tenho tido nenhuma pressa em ver o ano terminar…
quinta-feira, 9 de julho de 2015
Rio Grande do Norte, inverno de 2015
A sentença…
Depois de ter envolvido com o trabalho e viagens e mais viagens para dar cabo de tantas obrigações, a minha mulher, olhos secos e invejável autoridade, sentenciou: nessas férias escolares, celulares e computadores estão vetados… Quinze dias com as crianças… Você pode escolher qualquer lugar do mundo desde que ele diste menos de três horas de São Paulo…
O tom grave somado à tranquilidade com que ela emitia cada uma das palavras do enunciado resultaram em um esforço para cancelar este ou aquele compromisso… Uma vez acuado, restou-me decidir para onde viajar… A única certeza, iríamos para o mar…
Nomes de praia, resorts, hotéis acumulavam-se em discussões acaloradas ao redor dos jantares… Entre uma sugestão e outra, um destino, há muito tempo visitado, ganhava contorno de modo a dissipar dúvidas… Rio Grande do Norte… Nordeste… Brasil…
O mistério potiguar…
Há muito, eu tenho vontade de retornar para Natal, Pipa, Bahia Formosa… 25 anos atrás, estive por essas bandas, num verão, época de boas ondas para fugir do frio do Sudeste e, à época, viver uma das minhas primeiras viagens de surf… A confusão da memória estabelecia-se sobre longas ondulações para direita, água quente e poucas pessoas a dividir a arrebentação… De todas as viagens que fiz para pegar onda, Rio Grande do Norte reserva-se um lugar para lá de especial…Os afetos, creia-me, não encontram uma razão definida para eleger esse ou aquele momento como especial, um ou outro endereço com cheiro ou coloração de casa… O fato é que, além de toda aventura de menino, a empatia pelos surfistas da terra corroboraram e muito meus laços com as praias daqui… Não sei ao certo se o movimento não se fez ao contrário; isto é, se minha admiração por Jadson reforçou-se pelos meus sentimentos por Natal ou, sejamos francos, o contrário se faz explicação…
O aeroporto, o carro alugado e a prancha comprada…
A chegada em Natal anunciava-se no novo Aeroporto da cidade, inacabado, mas muito bonito… O calor era sensível… Havia reservado um carro para família com o pretexto de ganharmos liberdade de locomoção… Em mim, o plano secreto… Comprar uma prancha de um shape local e, antes do sol raiar, pegar a estrada para surfar as ondas de adolescência… Sem computadores, celulares, estava decidido a transportar-me, ainda que falsamente, para um tempo em que ligar para casa implicava a sorte de um orelhão que funcionava…
Em frente ao rapaz da locadora, a minha mulher logo estranhou o pedido…”um carro com Rack, por favor”… Não durou cinco segundo para que ela, então, interpelasse a conversa… “João, por que um rack? Você não trouxe nenhuma prancha…” É verdade que as recomendações médicas somadas a uma recente e voraz crise na coluna, indicavam a impossibilidade de surfar como antigamente… Mas, vocês sabem, água quente, ondas de um metro e camas confortáveis de um bom hotel são capazes de anular qualquer prescrição…Olhos fixos um no outro…. E ela sorriu… “Você vai comprar uma prancha, não é?”… Vinte anos de casamento…. Há manias que somente se revelam com intimidade… Uma das minhas, desde o tempo de menino, comprar, quando possível, uma prancha local… Para mim, a onda de um lugar molda, como ninguém, as mãos de quem vive e faz as pranchas à beira mar… Embora nem sempre seja verdade… para mim, surfar com pranchas forjadas nas praias em que viajo provocam a mesma alegria de comer a comida da terra… Em tempo de globalização, opto, quando possível, pelo caráter da região…
A prancha…
Após o primeiro pouso no hotel, crianças alimentadas, a constatação de que, em julho, podemos encontrar água quente e temperaturas a beirar os 30 graus, voltei-me com atenção para Ponta Negra… Queria ver o mar, conversar com alguém que compreendesse aquela maré e, mediado pela cumplicidade, dissesse qual o melhor local para comprar uma prancha… A arrebentação estava cheia, ondas irregulares quebravam, uma após a outra… Surfistas de todas as idades espalhavam-se pelo line-up… A quantidade de fishes era impressionante… A soberania dos pequenos foguetes de três quilhas, estreitas, com mínima flutuação parecia encerrada… O surf transformou-se, em Natal, numa atividade familiar… Pais e filhos, homens com sobrepeso e algumas e excelentes surfistas brincavam em ziguezague… Logo encontrei Pedro, um carioca que morava no Rio Grande do Norte, há duas décadas… Segurava uma pequena quadriquilha, a qual lembrava-me àquelas produzidas por Sérgio Peixe, no idos dos anos 80… Conversa entabulada… Endereço de uma loja anotado… Em duas horas, lá estava eu com uma incrível 6,2…É notável saber que algo do companheirismo de outros carnavais ainda existe em tempo de individualismo feroz e localismo acirrado… Por alguma razão, o Nordeste está, pelo que vi, muito distante daquilo que vejo em praias do Sul e Sudoeste brasileiros
O desejo…
É incrível saber que, aos quarenta anos, uma nova forma de encarar a vida ganha corpo… Desejava pegar todas as ondas possíveis, mas também alimentava um desejo secreto de encontrar, por acaso, nas praias do Rio Grande do Norte algum herdeiro legítimo dos grandes surfistas daquelas veredas… A cada onda surfada, fosse em Natal, fosse em Pipa ou Bahia Formosa, olhava de canto de olho para o lado à procura da raça de Jadson Andre, da modernidade de Ítalo, do estilo de Fábio Gouveia…
Duas caídas por dias, uma pela manhã, outra pelo início da noite… As semanas passavam em compasso lento… A cor do mar lembra a da Indonésia… Para não fugir à regra, as crianças tinham o seu momento nas ondas… Divertiam-se no mar delicado do Rio Grande do Norte… O surf no Brasil, definitivamente, tornou-se uma atividade familiar… O curiosos é perceber que, no limite, não me encontrava diante daquele sentimento provocado ao redor do título de Gabriel, em que as praias do Litoral Norte de São Paulo foram tomadas de assalto por reflexos pouco nítidos de Charles e seu filho…
Havia um remanso nos dias em que passei entre Ponta Negra e Bahia Formosa… O tom era sempre de brincadeira, mesmo entre os melhores surfistas que encontrei… E eles são muitos e de todas as idades… Talvez aquelas veredas não tenham ainda encontrado a sintaxe competitiva e ultra individualista de São Paulo… Ganhar e destacar-se não me pareceram palavras de ordem, ainda que os surfistas competitivos do Nordeste sempre se encontrem entre os mais aguerridos de qualquer circuito…Bonito, no mar azul turquesa, era cortar a parede como manteiga, gritar no line-ip para o surf bonito e equilibrado de quem se encontrava ao seu lado… Importava, isso sim, dividir alguns e breves momentos do paraíso na terra…
O vínculo com o mundo: a reconstrução de Alejo
De longe, pelo celular contrabandeado dentro do bolso da única calça, vez ou outra, atualizava-me da notícia a respeito do WQS… Alejo quebrava as ondas na África do Sul… O menino sempre me pareceu possuir elegância e caráter… Adorado pelos amigos, amado pela família… A boa índole em nada reflete a força de seu surf… Alejo está com faca nos dentes… A saída do WCT fez-lhe bem… Não sei bem por que, mas sempre que penso em Alejo, penso em Jeremy… Personalidades distintas, surf extremamente parecido… Os dois meninos, em 2015, reagiram ao tempo de seca… cada qual a sua maneira encontrou-se novamente no surf de competição…
No Rio Grande do Norte, eu percebi, pela primeira vez, que os dois modos de encarar o mar, para ganhar ou para divertir-se, em nada competem entre si… Há lugar para todos na arrebentação, há lugar para todos… Entre um sorriso e outro, conquistado entre uma manobra e uma dor na lombar… os meus olhos ainda procuram o novo talento do surf potiguar…
Ps: período de espera em J Bay…. quem sabe, quem sabe…
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