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terça-feira, 10 de novembro de 2015

Tel Avive, Doc, Miki e Miguel: o encontro dos tempos

Acordei cedo, completamente perdido com a viagem de mais de 20 horas, as inúmeras reuniões de trabalho e o fuso horário… Olhei pela janela e o mar em Tel Avive ganhou corpo desde ontem. Pasmem camaradas, há ondas em Israel… Uma inesperada ondulação de um metro, invadida por um vento maral que cortava o ar e tomava os ouvidos com um zunido sem fim… Às seis da manhã, cá estava eu, a implorar uma prancha no hotel… Vá lá, consegui um pranchão, desses que meu pai usaria sem cerimônia nas doces águas da Enseada, no Guarujá, nos idos da década de oitenta… Não me fiz de rogado, agradeci ao concierge com um sorriso no rosto e fui para o mar… Meia hora depois, disputava um lugar na arrebentação, a qual se realizava sem qualquer ordem lógica, com mais de trinta cabeças… trinta cabeças, numa terça-feira de sol, duas horas antes da cidade por-se no ritmo do trabalho….
Nada diferente de qualquer cidade banhada pelo mar, com alguma vocação para a prática do surf… Duas manobras, com esforço, para cada linha que quebrava; assisti a muitos cut back em dois ou em três tempos… Corpos desajeitados em busca de acertar uma batida na junção… Aliás… junção é a condição mais significante das ondas em Tel Avive… Acredito que não tardará para alguém voar sobre a linha da onda… Coisa de alguns anos, coisa de alguns anos… Isso porque o imaginário da rapaziada já está infestado pelos heróis da vanguarda… Ao saber que era brasileiro, elogios sem fim para Gabriel, Felipe, Adriano… Os bichos soltos do Brazilian Storm, suspeito que deva pagar algum direito autoral por usar esse termo, tornaram-se figuras mundialmente conhecidas… Em Isarel? É possível acreditar nisso? Não me canso de surpreender-me na vida… Até mesmo a vitória de Miguel em Maresias tornou-se tema de uma longa prosa…. e isso aconteceu na semana passada… Façamos um salva para as transmissões, ao vivo, pela internet... A despeito, é claro, da qualidade, muito longe do aceitável, dos comentários que, por horas sem fim, são pontuados por inúmeros enunciados óbvios e sem imaginação. Por exemplo, escolho essa pérola, a qual não me canso de gritar de raiva quando a escuto: “nós estamos aqui para comentar, quem dá as notas são os juízes”… Vamos lá, isso é aceitável? Por favor, membros da bancada, comentem e dêem algumas notas para o que assistem, mesmo que isso contrarie a WSL… Afinal, contrariar o julgamento, nesse ano, da WSL é uma obrigação ética…

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O inglês é língua corrente em Israel, talvez o único lugar do mundo, exceção feita a Berlin, em que Shakespeare sentiria-se em casa longe de South London… Tel  Avive, com certas ressalvas, muito se parece com Nova York… Creiam-me, não há qualquer exagero nessa relação… Enquanto buscava virar a prancha; a qual o concierge do hotel havia gentilmente me oferecido; iniciei uma daquelas prosas no line up com a rapaziada… A minha surpresa foi perceber que Yossi, Orine e Michel, todos com menos de trinta anos, discorriam alegres e entusiasmados sobre essa caricatura de um dia comum de Ipanema; isto é, sem fundo definido, com forte vento lateral e, com sorte, algo além de um drop… Antes das acusações bairristas, é claro que há dias melhores em todas as praias do planeta, mesmo aquelas que não foram agraciadas pela regularidade… Mas a regra não pode e não deve submeter a exceção às suas diretrizes… E, afinal, desde quando precisamos frequentar uma praia sem muita vocação para a pratica do surf, por pior que ela seja, para amá-la profundamente… O amor como o surf está sujeito a afetos inexplicáveis… E, em Tel Avive, o pico que quebra em frente ao Mosteiro é, para os seus locais, a materialização de Maetawaii… E eu,  tal qual os meus comparsas da manhã, imaginava-me entre coqueiros, diante de uma parede de mais de duzentos metros, entre um tubo e outro… Sim, a nossa exigência por ondas perfeitas e linhas infinitas é sempre relativa ao que encontramos à nossa frente… Para mim, o mar de hoje em Tel Avive comparava-se, pela surpresa de vê-las sem por elas ter esperado, às ondas da Indonésia… Surfista é, de fato, um bicho esquisito… Basta ter onda para que todos os padrões sejam refeitos e os critérios de qualificação tornem-se, eles mesmos, relativos….
No calçadão, mais de uma vez, encontrei casais ortodoxos a caminhar pela orla… Casacos pretos, chapéu e passos lentos… Invariavelmente, eles cruzavam com corredores amadores, surfistas com pranchas, skatistas e muitas, muitas bicicletas… Participar desse encontro com um mundo tão distante daquele que temos no Brasil vale a viagem… Lembrei, durante a hora em que via Tel Avive sob o ponto de vista da arrebentação, de Doc Pascowitz, nos anos cinquenta, em Israel, a introduzir o surf no país recém nascido… O doutor, o homem que impediu os seus filhos de estudar para viver o sonho dourado da Califórnia da segunda metade do século XX… Imaginem ser o primeiro entre todos a lançar-se num mar virgem, com sua prancha diante de um cem numero de espectadores incrédulos, ainda absortos pela triste memória da segunda guerra… Lá estava ele, corpo em forma, a lembrar que há vida além da miséria dos homens, da insânia e do terror… O surf tem dessas coisas, por mais prosaico que possa parecer-lhes, camaradas, o encontro harmônico com a natureza ainda é, para mim, uma mensagem de amor e esperança para humanidade…
Quando garoto, gostava de surfar como os meus ídolos, e naquela época, no Rio de Janeiro, Dadá Figueredo era o homem a ser seguido… Eu e meus amigos gostávamos de deixar o braço de trás levemente caído, à sombra do estilo do surfista brasileiro mais moderno dos anos noventa… Divertíamo-nos com isso… Hoje, quarenta e dois anos, abandonei, por algumas horas, as pequenas pranchas com seus movimentos rápidos e… imaginei-me ser Doc…. Segui obstinadamente a linha, sem alterar a direção de meu pranchão… Queria, isso sim, ir até a areia… Surf old school, realizado com orgulho e sem vergonha de emular, diante dos jovens surfistas de Tel Avive, um de meus maiores ídolos… 
No mar, o relógio anunciou que a próxima reunião de trabalho se aproximava… uma dúzia de ondas depois, sai com um sorriso no rosto, carregando aquela prancha de quase dez metros e, pouco mais, de trezentos quilos… Será que poderia encontra Miki Dora em Malibu? Andei na areia branca de Tel Avive e, transportado para um tempo em que campeonatos pareciam ser coisa estranha para quem, de fato, construiu a história do surf. Miki, Doc e, agora, eu; todos juntos em minha imaginação
Incrível saber que ficamos felizes com tão pouco…

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Miguel ganhou em Maresias… Miguel é um desses surfistas elegantes, com a linha equilibrada e uma tranquilidade para além do aceitável num circuito de surf profissional… E isso, deixemos claro, pouco diz respeito à qualidade do camarada… Miguel, pois, é a versão brasileira de Rob Machado… Deveria investir nesse caminho…Ganhará ainda alguns campeonatos, e o fará por mérito e por direito… Mas a pergunta que não quer calar, quando o melhor amigo de Gabriel se torna tema, é a seguinte: poderá o meio modificar as predisposições de alguém? Em outras palavras, o circuito pode moldar um competidor? 
O fato é que estamos diante dos inúmeros dilemas da formação… É inevitável que não imaginemos quais são os objetivos a serem alcançados, os passos que levam alguém a transformar-se em algo que ainda não é… Todos os surfistas de competição são lançados nesse desafio… Adriano encontrou o surf de linha; Gabriel, o back side; Felipe ambiciona o surf em ondas de consequência… 
E Miguel? Bom, o filho de Wagner não tem, de fato, nenhum grande desafio técnico pela frente… O rapaz possui a linha mais bonita entre os seus pares, entuba maravilhosamente e tampouco se sente desconfortável com o surf aéreo… Então, por que cargas d’água os resultados não chegam? Vejam…. estamos no difícil terreno da análise subjetiva, em que nenhuma evidência técnica se revela como um problema… Miguel, para mim, tem um enorme desafio pela frente, possivelmente maior e mais complicado do que os enfrentados pelos seus pares… Ele precisa entrar dentro do campo da competição… Encontrar-se numa sintaxe que, a despeito de todas as suas conquistas, ele parece não dominar ou está muito longe de sentir-se confortável com ela.
Muitas foram as horas à espera de uma onda; muitas foram as baterias perdidas por falta de uma segunda nota… Há momentos realmente mágicos em seu surf… A questão, mais uma vez insisto, não é falta de qualidade ou displicência… Miguel parece precisar, se Wagner não se incomodar com a intromissão, de uma análise a respeito de sua carreira… Para onde ir? O que é preciso fazer para resolver as reiteradas armadilhas nas quais o camarada parece muitas vezes cair? Eu, cá com meus botões, imagino a enorme vontade de ele conseguir, um dia, o caneco… Talvez, Miguel realize esse sonho… Ele possui surf para tamanha empreitada. Mas será que vale esse esforço? Afinal, ao contrário de seus pares, isso me parece muito penoso para o camarada boa praça, de enorme índole… A competição, com toda a violência, deveria ser-lhe o motor, ininterrupto, sem soluços… Isso é possível para Adriano e Gabriel. Para Miguel? Nesse momento, imagino ele a surfar em Baja México, sozinho, destruindo cada uma das ondas que encontrar a arrebentação… Linha linda, limpa… Acredito que faria isso sem dor ou angustia… sem pesos sobre os ombros… Surfaria como Machado, Rasta, Dane e tantos outros que, a despeito dos enormes palanques da WSL, vivem muito bem e são inspiração para uma legião de surfistas ao redor do mundo. Há mercado para isso e, mais importante, Miguel tem surf para isso..
Agora, o sonho de cada um pertence somente ao sonhador…. Se Miguel optar pela guerra do circuito, precisará não cobrar-se tanto, surfar com mais fome e ganhar algumas etapas fora do conforto de sua casa… Tomara, tomara…

Para mim, o surfista brasileiro que possui o mesmo nome de meu filho, independente do que ocorre no circuito, inspira-me grande respeito e admiração. Que ele encontre o seu caminho e que o faça em paz consigo mesmo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Rapaz, tá aí lugar que minha imaginação nunca tinha chegado em pensar: surfe em Tel Avive. Quando penso em Israel ou no oriente médio como um todo, só me vem à cabeça, conflitos armados entre povos de diferentes credos, atentados terroristas e o medo de um ocorrer a qualquer momento onde estamos a caminhar , comer ou dormir. Muito bom sua partilha dessas informações. Parabéns.