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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Haverá solução?

O Mote

Em meados do mês de Dezembro, alguns dias depois da vitória de Adriano de Souza, Adrian Kojin publicou um artigo no site Waves a respeito da onda “inventada" por Kelly Stater. À época, surpreendi-me com a quantidade de comentários contrários ao texto do camarada. Em tese, o tom de indignação reinou e, cá com meus botões, pensei que, se não concordava com todos os argumentos levantados por Adrian, havia algo, ali, com que me identificava… Não seriam, no caso, os argumentos sobre o oportunismo do Kelly em revelar ao mundo a sua criação no dia seguinte em que Adriano sagrou-se campeão… Tampouco as teses sobre a mercantilização do surf… Chamou-me a atenção aquilo que, suponho, fosse a razão do cronista ter escrito um texto com tanta indignação: a sensação de que o surf perde, a cada instante, um pouco de sua capacidade de aproximarmo-nos da natureza… Convenhamos, isso não me parece responsabilidade do Surf, mas, sim, da ordem dos acontecimentos que, sem muito aviso, restringe as possibilidade de que temos de reviver as aventuras das gerações que nos precederam. Para driblar o movimento que transforma toda praia deserta em condomínio de fim de semana, precisamos de muito dinheiro e um bom guia de viagem… E isso é uma pena…  Mas Slater não me parece ter nada com isso… nem sujeito das ações, nem responsável pelo perda da inocência…
O fato é que mundo não mudou muito desde o tempo em que eu e, possivelmente, Adrian, a quem não conheço pessoalmente, iniciamo-nos no universo de pranchas e ondas… Na verdade,  apenas assistimos, em 2015, à maturação daqueles traços que, embora não fossem predominantes, estavam presentes no universo de nossa adolescência… Não tenho a intenção de defender o camarada, experiente e com voz própria, sobre o seu artigo… Entretanto, não vejo nenhum mal em discutirmos um pouco as razões que talvez levem a todos nós para a busca, nem sempre com sucesso, pelas raízes do surf, do espírito desbravador de quem sempre acredita existir uma onda melhor por aí e que ela precisa ser descoberta… Onda boa e aventura, máxima felicidade… Talvez a invenção de Slater apenas contemple um parte dessa equação… Para mim, aquela bancada artificial bem que podia ficar no meu quintal… Mas, sejamos francos, o universo do surf envolve tantas coisas que estar em cima de uma prancha, numa longa parede, é, muitas vezes, apenas uma das razões para estarmos nessa brincadeira… Surf é também a roubada de uma viagem, a incerteza da ondulação, a conversa com os camaradas na arrebentação… Possivelmente, Adrian tenha visto na onda do onze vezes campeão mundial, um fenômeno, uma possível traição àqueles sentimentos, arduamente cultivados, por quem aprendeu a surfar no Brasil entre o fim da década de setenta e o inicio dos anos oitenta… A questão é verificar se o passado foi realmente imaculado, livre das inúmeras ameaças contra o espírito livre, característica universal de todo camarada que, alguma vez, molhou os pés na água salgada. Afinal, o debate ao redor da criação de Slater não me parece novo, embora a tonalidade da discussão, isto sim, surpreende-me um pouco…..

Prolixidade ou a busca das raízes…

A década de 80, no Brasil, foi um turbulento encontro das águas, especialmente no universo do surf… Esse foi o endereço em que se cruzaram, de modo mais evidente, os afluentes advindos do passado e do futuro, do romantismo da década de 70 e do anúncio, ainda que de modo prematuro, da matriz genética do Brasil Storm. Não sinto saudades desse tempo além daquela que nasce quando relembramos o tempo de adolescência, época em que o mundo do trabalho parecia tão distante quanto os caminhos que me levavam, morador do Jardim Botânico, a um dia de ondas na Pedra de Guaratiba….
A década de oitenta foi, pois, o período em que se consolidou a industria da juventude no Brasil… Rock Brasil, a criação de uma centena de marcas destinadas a vestir a garotada, a consolidação de novos balneários para a alegria do fim de semana… O espírito era eletrizante com canções que cortavam o ar com a sintaxe própria dos novos tempos… Os temas eram, quase sempre, subjetivos, vinculados às esferas dos sentimentos de cada um de nós frente ao amor, ao elogio de viver intensamente cada momento… É verdade que, vez ou outra, o sismógrafo apontava as consequências dos novos tempos, isto é, a perda de espaço dos moradores da Zona Sul para o restante da incipiente sociedade de consumo, reivindicante, ela mesma, de um lugar nessa areia… O Rio de Janeiro modificava-se rapidamente e, assim, suponho que o restante do país… Queríamos ouvir Australian Crown, sonhar com um verão sem fim, mas queríamos também  usar bermudas da Tico, camisetas da Company, tênis da Redley… Não parecia haver, pelo que me lembre, fronteiras claras entre os segmentos de consumo… Todos ouviam, em grande medida, as mesmas músicas, usavam as mesmas roupas e desejavam uma fatia do bolo. O Rio Quarenta Graus encontrava-se em proto-gênese… O surf iniciava-se na caminhada que o levou a tornar-se indústria… E, como sabe, a produção em massa somente existe porque há consumo em massa… Em tese, isso não é um problema ao não ser quando o resultado inverso desse processo realiza-se pela reivindicação de uma experiência pessoal, de algo particular. Paradoxo contemporâneo que, suspeito, jamais se resolverá plenamente…
O nome do negócio, pois, era viver cada momento com intensidade, sem medo do amanhã, descobrir novas terras e ter, na memória, cicatrizes da aventura… O novo… o que importava, aqui, era o novo… Marcas de uma época que, malgrado o avanço do tempo, ainda se vê presente nos arredores de 2015… Os destinos mudaram de nome e, com o fácil acesso aos aeroportos, de país… Indonésia, América Central, Nova Zelândia…. e, por que não, a fria e distante Islândia… Aventurar-se por aí é o mais importante, ainda mais em tempo de explosão demográfica e pasteurização de sabores… Os surfistas da California, quem sempre estabeleceram o campo das vanguardas no nosso universo, definiram um dos caminhos a serem seguidos… Muito dos talentosos jovens daquelas veredas abriram mão, na última década, de participarem das competições para embrenhar-se numa busca obsessiva pela manutenção de uma sorte de integridade romântica com a natureza… E, como não poderia deixar de ser, o mercado sentiu essa tendência… Lá está a Hurley, anos luz na frente de seus pares, a realizar propagandas com Rob Machado, numa motocicleta indie, a rodar pelo deserto de Baja México… Temo que esse não seja o único exemplo desse processo, o qual, acredito, invadirá, logo mais, com a força de quem percebeu os desejos de seus consumidores, as revistas e as vitrines das grandes lojas. Em muito breve, nós veremos fotos enormes, em shopping centers, de surfistas barbudos em alguma das raras bancadas inóspitas do nosso planeta super habitado. 

A origem da desordem?

Realmente, sensível para nós, quem passávamos o dia na praia em meados dos anos oitenta, já era o prenúncio do porvir: o aumento de pessoas nas praias, nas ruas e nos paraísos descobertos pela fase heróica. Nós emulávamos aquela juventude que segurou, entre os braços, uma prancha de surf Ligth Bolt e que, sem nenhum sinal de cansaço, carregava nas costas pesadas barracas de lona… Saquarema… Saquarema… À medida que a cidade entupia-se de gente, nós apontávamos para o Sul… descobríamos a Macumba, Grumary, Prainha, Pedra de Guaratiba… Hoje, para o meu pesar, com o mesmo crowd que víamos no Posto 10 em Ipanema durante a minha adolescência… 
Àquela época, contudo, ainda havia muitos lugares para viajar, praia descobertas pelos primeiros desbravadores que continuavam, sobretudo no Nordeste e no Sul do país, propriedade, quase exclusiva, de seus poucos moradores… Paracuru, Itacaré, Noronha, Bahia Formosa, Ferrugem, Joaquina… Cada vez que escutava esses nomes, lançava-me para o terreno fértil da imaginação e sonhava com uma viagem de carro, com os camaradas mais velhos, numa Paraty enlameada… Esse era, suspeito, o desejo de muitos… Pé na estrada, praia deserta e onda, muita onda para dar e vender… A década de 80 foi o endereço para a minha geração de uma estranha forma de reagir, expontânea e coletivamente, contra as mazelas da incipiente sociedade de consumo brasileira. Nada digno de nota, pelo menos nos livros de história, porque não havia, é verdade, uma revolução no hábitos capaz de contemplar a maioria de nossa sociedade. Entretanto, seria ingênuo ignorar que algo havia mudado… Quando os estímulos se modificam, modificam-se também as respostas a tais estímulos…
Embora o movimento que introduziu uma certa eletricidade na atmosfera fosse desorganizado, sem liderança anunciada, os efeitos dele faziam-se presente, aqui e acolá, na garotada que deu prosseguimento aos sonhos da geração anterior, ao mesmo tempo em que nós reivindicávamos a autenticidade de um lugar ao sol… Queríamos as roupas de marcas, as pranchas da Cristal Grafitti, surfar como Dadá Figueiredo, mas também desejávamos estar longe daquilo tudo, provar alguma coisa da década de 70…. Outro dia, ao assistir um desses programas do Canal Off, deparei-me com um depoimento de um camarada, vinte e poucos anos, apaixonado pelo surf, a dizer que precisava, em pleno 2015, viver algo daquela geração… O sentimento continua ativo e atravessou mais de trinta anos intactos porque o mundo mudou pouco ou quase nada… Na verdade, temo que as coisas apenas se intensificaram…..
Sem mais nem menos, começaram a pipocar notícias de amigos que se lançavam, em época de inflação galopante e dólar estratosférico, em viagens pelo Brasil. O avião era um luxo inacessível para a maioria de nós… O negócio era meter-se num ônibus, ao som de New Order, e controlar as emoções para aguentar muitas horas numa poltrona desconfortável… As preocupações eram, quase sempre, com a integridade das pranchas no bagageiro… Elas estariam bem? Essa era a pergunta que, de tempos em tempos, invadia as nossas conversas durante o tempo de espera… Foi nesse diapasão que, eu e meus camaradas, decidimos ir para Florianópolis para assistir um dos campeonatos mais importantes da história do surf brasileiro: O Hang Loose de 1987… Joaquina, Joaquina… a praia de dunas brancas e longas esquerdas… Lá, nos extertores da década de oitenta, a nova ordem das coisas materializou-se, pela primeira vez, para mim.

A viagem...

A viagem foi mais longa do que imaginei… Carrol, um dos meus ídolos, participaria do campeonato…. Íamos para o Sul com a certeza de que seríamos testemunhas oculares daquilo a que somente assistíamos no Realce… As Dunas, as ondas e uma multidão na areia e no line up entorpeciam os sentidos… O surf romântico, ao qual eu dedicava-me a procurar, tinha sido deixado de lado… Vejam, eu não tenho nenhuma ressalva à competição, aliás um dos meus maiores prazeres na vida é acompanhar os camaradas em sua busca incessante pelo caneco… Mas, sejamos francos, cinco dias num campeonato é a certeza de que você pegará pouquíssimas ondas… Quem já dividiu espaço na arrebentação com um profissional sabe bem disso…
Na areia, encontrei mais de uma centena daqueles óculos Oakley, que cobriam o todo o rosto com suas lentes espelhadas e coloridas… Senti-me parte de uma tribo, entre iguais, mas senti que o silêncio de uma caída do fim de tarde com os mais próximos tornara-se uma coisa rara… O resultado da contenda importou menos do que a certeza de que deveria ter viajado para outra bancada, longe… milhares de milhas da Joaquina… Recentemente, assisti a uma entrevista com Fred D’Orey… Nela, o dono da prancha vermelha, resumiu aquilo que senti, quando de minha viagem para o Hang Loose: Se tem um campeonato aqui, eu vou para o outro lado… 
Campeonatos, disseminação do surf como atividade de massas,e avanço dos condomínios particulares nas inúmeras praias brasileiras tornaram-me, em meio a alegria de ver os brasileiros tomarem de assalto o circuito mundial, consciente de minha claustrofobia… Por isso, a criação de Slater pode ter parecido, para alguns, uma consequência natural do processo de desenraizamento do surf de sua origem romântica… Nesse caso, aparência não implica realidade… O modo como o maior de todos os tempos arquitetou a sua piscina, por estranho movimento, ambiciona enquadrá-la, ainda que de modo canhestro, no meio da vida selvagem… Artificial, é verdade…. Todavia, integro…
O problema não é, nesse caso, Slater ou a reação de Adrian… Estamos, isso sim, inseridos num mundo onde fazemos o que é possível, pois as impossibilidades parecem ser uma norma com a qual devemos nos acostumar… A população mundial cresceu muitíssimo e, com ela, milhares de pessoas como eu aprenderam a amar o surf… Natural é encontrar as bancadas repletas de pranchas a disputar-lhes as ondas… Qual solução haveria para isso? Vejam, a criação de Slater e a indignação de Adrian parecem ter, para mim, a mesma razão… O que importa, aqui, é saber se a solução desenhada por anos e o sentimento de que perdemos algo de essencial da nossa relação com o mar não se constitui num paradoxo sem solução…


Continua…

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

E o ano de 2015 termina... Com ele, consciência e vaticínios..

Vou para Bahia… Depois de muitas viagens para tratar das coisas de trabalho, especialmente a última que fiz para Israel, com uma derradeira parada em Paris durante o atentado, prometi a minha mulher férias em um lugar com sol e, por que não, com algumas ondas … Sejamos francos camaradas, nada é mais tranquilo do que as águas mornas da terra de Caymme… É tempo de encerramento das atividades, de recompor as energias, de fazer balanços sobre o ocorrido… Confesso que não tenho um espirito melancólico, embora, vez ou outra, ressinta-me de não ter dedicado-me a viver plenamente alguns momentos do passado… Coisa de gente atarefada, movida para resolver o próximo problema, o qual, inevitavelmente, exige sempre dedicação e energia… E, creiam-me, isso esgota qualquer um… Por isso, volto com frequência ao campo impreciso da memória, sempre traiçoeiro, a fim de por ordem na casa…

Israel, um surfista entre as ruinas
Paris, um dia após os atentados....


2015 começou com um projeto, arduamente desenhado, nos extertores do ano em que Gabriel ganhou o caneco… Havia prometido a mim mesmo viajar para, pelo menos, duas etapas do mundial… A primeira seria na África do Sul em Julho, tempo de férias escolares… Aproveitaria a ocasião para levar as crianças ao velhíssimo continente a fim de verem os bichos na natureza e, assim, ludibriaria a minha mulher, algo cansada com as minhas restrições: viagem tem de ter uma bancada onde possa, durante uma ou duas horas por dias, molhar o corpo na água salgada… Com elefantes e leões soltos nas savanas, talvez ela não se importasse de assistir algumas baterias na Bahia de Jefrey… A segunda, Portugal… Comida boa, onda para todo mundo, gente bacana e o conforto de falar a minha língua em terras longínquas… Pois bem, a crise veio e, com ela, o trabalho aumentou tanto que foi muito difícil encontrar um intervalo nas atividades profissionais para suspender o juízo… O projeto, portanto, deu em água… Os meus planos secretos resumiam-se em escrever nesse blog bissexto com maior frequência, relatar aquilo a que assistiria durante essas duas etapas, tal qual fiz em 2014, na penúltima parada do mundial… Não consegui… e isso, devo confessar, deixou-me um certo gosto amargo na boca… Quem sabe em 2016 retome esse projeto e possa finalmente transforma-lhe em rotina, de modo que consiga, nos próximos anos, tornar-me testemunha ocular, pelo menos uma vez, de todas as paradas do tour… Quem sabe? O fato é que viajei bastante, mas sempre com uma extensa agenda de reuniões, muitos afazeres e, pasmem, munido de terno e gravata… Nunca imaginei, quando criança, ter uma vida tão longe da areia… Por isso, já não consigo contabilizar as vezes em que, durante uma conversa sobre números, larguei mão do real e imaginei-me numa praia, com poucos amigos, seis pés de onda e leve terral…

E temo que o mundo visto seja assim. Nova York, maio, um dia no parque enquanto esperava o melhor hambúrguer da ilha...

Talvez, por isso, lembre constantemente de uma conversa com Júlio Adler, numa de minhas idas para o Rio de Janeiro… Lá pelas tantas, um dos camaradas mais talentosos que conheci na vida, soltou, com ar displicente,  essa máxima: "Todo surfista teve a experiência da vagabundagem, de ficar na praia sem tempo para voltar para casa, esquecido entre uma caída e outra com os amigos… Mas não se engane, João, ser vagabundo dá muito trabalho…" É claro que Júlio falou isso com mais poesia e sabedoria do que esse relato de segunda mão pôde traduzir… À época, não lhe retruquei, mas, hoje, depois de ter matutado bastante, ensaio-lhe uma resposta:  Júlio, eu trocaria facilmente o trabalho árduo da vagabundagem pelo trabalho que me impede de ser vagabundo… Afinal, vagabundo de fim de semana, como tenho sido nos últimos anos quando encontro um fim de semana sem nada para fazer, não é vagabundagem, mas, sim, engano…

*****
Sujeito ao princípio de realidade, agradeci, em 2015, muitas vezes aos céus pela invenção da web… Não foram raras as ocasiões em que eu pude assistir, no conforto de casa, algumas etapas do mundial. Vá lá… confesso… Trocaria facilmente o meu escritório pelo sol na cachola, a areia e o vento. Mas não fui hábil o suficiente para construir essa vida… Alguma inveja tenho de Ricardo Bocão, Fred D’orey', Daniel Friedman e Tico de Souza… Esses camaradas souberam conciliar os afazeres do trabalho com o cheiro de maresia… Estamos ou não diante de uma sabedoria?
Para mim como para muitos de nós, restou a busca incessante por uma brecha… Porque pau que bate em Chico também bate em Francisco, assistir às etapas do tour e conversar com amigos sobre o que aconteceu revelou-se, então, uma canhestra compensação… Ainda mais nesse ano especial, repleto de mudança nos ventos… 
Adriano venceu… Gabriel consolidou-se como um dos maiores surfistas de todos os tempos; Felipe é, sobre uma prancha e com ondas de seis pés, o demónio encarnado; Ítalo é a maior surpresa não esperada da recente história do tour; Mick, o desafortunado, lembrou a todos com quantos paus se faz um caráter; Slater, acreditem, não morreu… Vejam que o Circuito, em 2015, parece ter se realizado num campo gravitacional para onde foram atraídos tantos e diversos vetores que, segundo muitos, anunciou-se como a mais fenomenal contenda de todos os tempos… Não tenho certeza de ser essa uma verdade incontestável, sobretudo, quando lembro de Curren a levar o caneco desde as triagens ou das guerras entre Irons e Slater… Mas qual a relevância dessa disputa pelo primeiro lugar? O que importa arbitrar sobre isso? Nada, creia-me, nada…
A beleza do surf de competição nasce, para mim, da representação de dramas humanos… A precisão das manobras, a coragem sempre testada, o controle dos nervos diante das tensões inerentes a uma disputa. Uma bateria encena, ao lembrar Nelson Rodrigues, os cinco minutos antes do nada… Estamos diante de camaradas que devem pôr à prova uma vida inteira na água salgada em apenas meia hora… É tudo ou nada, é matar ou morrer… A consciência surge, então, do seu abandono… Uma manobra de risco, a raiva com a qual se crava a borda na água, a espera pela última onda… Controlar os nervos, permanecer impávido diante da diversidade…
Adriano como Gabriel, Slater e Mick são, de acordo com essa perspectiva, os nomes de 2015… Há outros, é verdade…. Mas tentemos não ser abstraídos pela paixão… Os quatro tiveram, mais que seus pares - e não estamos a falar de talento ou capacidade - , de controlar as emoções para dar cabo de suas ambições… Como disse, certa feita, Júlio Adler, vagabundagem é sinônimo de trabalho duro… Quem um dia poderia dizer, com todas as letras, que um surfista tivesse tanto a dizer sobre a o mundo moderno como esses camaradas que parecem ter uma vida de sonhos, com viagens constantes para os mais bonitos paraísos da terra?
Quando adolescente, lembro-me de ter, longe dos palanques e premiações, de viver algo desse sentimento toda vez que o mar subia na minha aldeia… Controlar as emoções, ter domínio sobre o medo são condições fundamentais para qualquer um que ambiciona lançar-se no mar… 
Hoje, enraizado no mundo do trabalho, eu sei que o surf ensinou-me muito mais do que saber qual a natureza de um devaneio em meio a uma  exaustiva reunião de trabalho… O mundo de pranchas, parafinas e ondulações possibilitou-me criar bases segurar para o que veio depois da época das tardes livres nas bancadas da Reserva da Marinha…  Quando penso em viajar para pegar onda, penso em viver novamente, num novo recomeçar, o encontro comigo mesmo, com o tempo sem fim… Que o ano de 2016 seja o endereço para que eu consiga enfrentar, se minha coluna assim permitir, uma ondulação grande, com os camaradas… Que seja o ano em que possa assistir àqueles indivíduos, fora da curva normal, testarem a si mesmos com a mesma força que tiveram num dos anos mais emocionantes do circuito mundial… Tomara que consiga ensinar aos gêmeos, com nove anos, a amar a beleza de um line up no fim de tarde como ensinei a Júlia, minha filha mais velha… Tomara que Júlio Adler volte a escrita com a regularidade que tanto esperamos dele… Tomara que Felipe Toledo seja campeão de uma etapa com 12 pés sólidos na Ilha Rei… Tomara que Slater volte a disputar o título…. Tomara que Adriano mostre novamente ao mundo a força de sua vontade…. Tomara que Gabriel seja apenas Gabriel, pois isso será suficiente… Tomara que eu consiga viajar para duas etapas do mundial… Tomara que sejamos, todos nós, mais felizes no ano que se anuncia…

domingo, 20 de dezembro de 2015

E Adriano venceu...


      Adriano venceu… Em condições adversas, o menos favorito entre os favoritos levou o caneco de 2015… Os últimos acontecimentos ao redor de uma vida dedicada a treinos exaustivos e comprometimento sem limites foram relatados, exaustivamente por anônimos e por gente de notória reputação na última semana, nos cinco continentes. Aqui e alhures, os comentários  seguiram uma mesma toada: ora de exaltação eufórica, ora de leve ressentimento contra a derrota do homem que enfrentou um tubarão nas águas frias da África do Sul e quem assistiu, sem nada poder fazer, à morte do irmão mais velho durante à última e mais esperada etapa do surf mundial.
O mundo, em dezembro, dividiu-se, mais uma vez, em campos opostos, cindido por opiniões contrárias e apaixonadas que, aliás, sempre acompanharam o camarada do Guarujá desde que ele entrou no seleto grupo do WCT..
Uma aproximação cuidada, todavia, a tudo que se escreveu nesses últimos dias ao redor da coroação de Adriano revela; no substrato das análises com as quais os olhos do nosso mundinho arbitraram sobre os acontecimentos; um denominador comum: a identidade do esforço, do trabalho duro, da perseverança como o traço característico do mais novo integrante do seleto grupo de campeões mundiais. Creiam-me, não reconheço em nenhum outro, tais adjetivos… O circuito, exceção feita ao alisador de ondas Damien Hardman, sempre consagrou surfistas excepcionais… Não há dúvidas que campeão mundial é sinônimo de excepcionalidade. Tompson, Poter, Slater, Occhilupo, Richards, Irons, Carrol, Curren, Gabriel…
O circuito realizou-se, até agora, sob o signo do extraordinário… Camaradas que, pelo surf, constrangeram gerações de surfistas de fim de semana seja pela coragem, seja pelo estilo exaustivamente emulado nas parias de todo mundo, ou ainda pela forma como conduziram as suas pranchas a uma linha incapaz de ser vista por nós, pobres mortais, acostumados ao breu e à indefinição… Já não consigo dizer quantas vezes completei ondas em que acreditei dignas dos grandes… Embora soubesse que há uma insuportável monotonia no meu surf, sempre há um momento, uma rasgada, uma batida, um tubo que, por obra do acaso, pareciam-me fora de esquadro, além do esperado… O excepcional para o surfista comum é a regularidade para o extraordinário…
Conviver com a certeza de que é impossível transpor a barreira que separa o talento nato da determinação não parece ser algo estranho para qualquer um de nós… Em todas as atividades humanas, e o surf, não duvidem, é uma delas; torna-se muito fácil identificar quem nasceu para coisa e quem, como eu, sonhava, ainda criança em participar um dia do circuito… Cada vez que assistia ao Léo Trigo surfar na Barra da Tijuca, lá pelos meus 13 anos, sabia que estava tão longe, mas tão longe… E vejam, o surf de Léo Trigo, embora fosse um dos meus modelos na primeira fase de minha adolescência, não causou em mim, nem de perto, o mesmo estrago provocado por Gabriel Medina, aos catorze anos, num campeonato em Florianópolis…
O surfista comum, por melhor que seja, torna-se objetivo alcançável. Treino diário, equipamento certo e, melhor dizer, alguma aptidão para o negócio podem tornar qualquer um respeitado no line up da aldeia… Mas para quem já tem rodagem, é impossível não distinguir a diferença entre o respeito e a admiração paralisante diante de algo excepcional… Uma vez, dividi o mesmo espaço de Curren, numa caída de fim de tarde… Na verdade, fiquei ali, sentado, a assistir aos movimentos minimalistas daquele que foi, para mim, o maior estilista de todos os tempos… A cada onda surfada pelo camarada, a consciência de minha tragédia aumentava. O meu destino era ser mediano…

*****

Não importa a latitude, a dicção, pressupostos culturais… Adriano parece ter exercido sobre si uma forte gravidade capaz de atrair olhares estupefatos de admiração. Os ressentimentos e os elogios foram, nesses últimos dias, dissolvidos, pouco a pouco, por um estranho sentimento especular, em que milhares de pessoas, em todo mundo, enxergaram no filho dileto do Guarujá algo capaz de driblar a tragédia do homem comum. Pois bem, Adriano não é ordinário justamente porque provou ser possível avançar sempre… O surf dele não é o mais bonito, embora seja um dos mais técnicos do planeta… Naquilo que era possível, evoluiu com determinação, superou o mal-olhado, a raiva e as condições adversas com uma força admirável… Apreendeu a não bater a prancha entre uma manobra e outra, a fazer uma das cavadas mais bonitas da história do surf, a cravar a borda na água sem compaixão…
Treino, treino, treino… Eis o mantra de Adriano… A trajetória do camarada inspira todos nós, confere uma luz de esperança em nossas vidas porque afirma que nada está interditado… Entretanto, a excepcionalidade do último campeão mundial não é a mais mundana das excepcionalidades. Ela não está à mão de qualquer um, embora não seja comum encontrar aqui e acolá gente obstinada como ele… Não nos enganemos, o feito do rapaz foi, certamente, um dos mais bonitos e extraordinários que ja se teve notícia… Somente um tolo ignoraria a grandeza do campeão mundial de 2015… Afinal, quantas pessoas conhecemos que, a despeito da força de vontade, caíram ao longo do caminho, enfraquecidos pela grandeza dos obstáculos postos `a sua frente? Quantas? Dessa consciência, surge o mais enigmático  dos paradoxo; é possível apreender sempre e desenvolver-se em qualquer atividade, mas, para isso, você deve possuir uma obstinação que não se encontra por ai… Excepcional, pois, é não dobrar a coluna jamais; permanecer constantemente humilde para aprendizagem e forte o suficiente para não desistir…
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Na Grécia Antiga, terra de histórias de feitos extraordinários, surgiu, pela primeira vez, a palavra herói… Ela designa o túmulo daquele que, após a morte, será lembrado pelas gerações futuras… Ulisses, o mais sábio; Aquiles, o colérico; Ajax, o grande, o forte… A imortalidade nasce da perplexidade diante dos grandes feitos que, de modo inequívoco, revelam para o restante da humanidade, a possibilidade de romper a fronteira que cerceia o homem comum…. 

Adriano, por isso, parece ter sido algo apressado quando afirmou que esse título será rapidamente esquecido… Tenho com meus botões que o ano de 2015 seja, justamente, lembrado como o tempo em que devemos sempre voltar para reafirmar a certeza da possibilidade.
O talento, aqui, é a perseverança… E, para sermos francos, ele é tão impressionante como a naturalidade do estilo de Curren, a bestialidade de Carrol, a inexplicável aptidão do E.T. Por isso, o título de Adriano é dele e de todos que contribuíram para ele dar vazão ao seu caráter… Patrocinadores, Pinga, irmão mais velho, amigos que o abrigaram e permitiram-lhe ser… aquilo que tanto sonhou…

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       Termino esse texto com a última parte de um artigo que publiquei nesse malfadado blog, dias depois da etapa de Peniche… Embora já seja conhecido de alguns, ele resume aquilo que penso do mais novo campeão mundial de surf…

"Adriano, nunca torci tanto por alguém como torci e torço para esse camarada… O caneco de 2015, por mim, seria dado para mineiro sem qualquer razão ou explicação. Simplesmente, acho que ninguém merece mais esse título do que o mais determinado dos surfistas… É notável como ele desenvolveu o seu surf nos últimos dez anos… lindo de ver… Entretanto, nenhum outro surfista desperdiçou tantas chance de liquidar a fatura como Adriano… Toda vez que ele se encontrou à frente na disputa, sem exceção, parece ter perdido algo imprescindível para os campeões: a concentração… Adriano é um caçador, daqueles que ninguém gostaria de ter em seu encalço… Parece ser alimentado pela busca do primeiro lugar, mas parece  não ter encontrado qualquer conforto quando alcança tal objetivo… Uma vez, ainda na primeira perna do tour, sugeri que procurasse Charles para treiná-lo no restante de 2015… Achei uma boa idéia, e ainda acho… mas Gabriel voltou e essa improvável parceria desfez-se em ar rarefeito… Em Pipe, Adriano estará só, à caça… e talvez isso seja suficiente para torná-lo campeão… Se isso acontecer, farei cinco dias de voto de silêncio entre os meus, em reverência ao maior exemplo de obstinação que vi em qualquer esporte, especialmente no surf…  


   Que venha o arquipélago, onde crianças separam-se de adultos… E, se estiverem comigo, camaradas, torçamos para que o caneco seja de quem, de fato, o merece…."

sábado, 5 de dezembro de 2015

A borda na água de Bourez, o Floater de Gabriel e... sim, a vitoria de Mick em Sunset (2015)...

       Quando Darwin aportou em Galápagos, o jovem biólogo encontrou um ecossistema, de certo modo, intacto, em que as espécies pareciam imunes ao tempo dos homens… Em pleno desenvolvimento da modernidade, o “achado" daquele paraíso lançou, por estranho e enigmático movimento, uma nova luz sobre nós e sobre o universo de que fazemos parte… Desde que aprendi algo sobre Biologia durante os anos de escola sempre busco viajar para lugares em que eu possa encontrar algo estrangeiro ao meu mundo… O problema é que as brechas encontradas por Darwin durante sua empreitada no Pacífico selvagem do século XIX não parecem mais encontrar reflexo no aqui e agora… Como disse, certa feita, aquele personagem de Leonardo Di Caprio n'A praia: lástima, tudo parece ser igual ao que já conheço… Hoje, ausentes de fronteiras e comprimidos pelo tempo e pelo espaço, é raro encontrarmos algum endereço na terra que não cheire ao café da Starbucks… E vá lá…. O fato de ele ser bom não significa para mim que seja suficiente para matar a vontade de conhecer o desconhecido… Afinal, somente desejamos aquilo que já não temos…

                                                                               
                                                                          *****

      A máxima que abre esse texto somente não vale para a minha relação com o surf ocorrente no arquipélago… Lá, entre os meses de novembro e março, esperamos sempre encontrar o mesmo, o igual, a mesma toada que anima o nosso mundinho há mais de meio século… O tempo no Hawaii não respeita a ordem regular das coisas… Essa ambivalência entre o igual e o preservado torna o inverno no Pacífico Setentrional uma das mais instigantes aventuras da nossa época… Na verdade, de todas as épocas… Lá, a preservação de uma tradição que, alheia ao canto da sereia das vanguardas, impõe rituais próprios que, num reverso inesperado, torna as ilhas num reflexo decalcado e improvável da Galápagos de Darwin… Afinal, em terras de reis, importa, isto sim, avançar sem trégua nas pegadas encontradas em um caminho sem curvas ou atalhos… O surf no Hawaii, pois, possui certas afinidades eletivas com aquilo visto, há quase dois séculos, pela tripulação do Beagle… O mundo preservado, sob mecânica própria, inalterado… A cada temporada, a cada descoberta de novos materiais, a cada chegada de uma grande ondulação…, nós somos levados para um universo em que a medida da evolução dos surfistas se encontra, sobretudo, limitada pela carpintaria do surf de borda e pela coragem… Sim, não há surf no Hawaii sem coragem…
       Desconheço a razão de não ter, quando circunscrito ao vinte anos de idade, tomado um avião para o arquipélago a fim de encontrar-me com um surf que não conhecia, a fim de encontrar um nível do meu surf que, suspeito, jamais conheci… Por isso, sempre que encontro um jovem surfista, quando o assunto das viagens surge, sou direto… Vá para lá… Vá para lá enquanto ainda é possível escapar das obrigações do mundo do trabalho, enquanto o seu corpo e o seu espírito possuem forças para resistir às enormes exigências que o Hawaii impõem para quem o desafia…
O que, afinal, se encontra nessa terra mítica, cujos heróis nem sempre recebem loas por títulos ou canecos dourados? 

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Cesse tudo que a nova musa canta, pois, aqui, as regras que organizam a hierarquia das coisas parece obedecer um ritmo ancestral, cujas raízes se encontram cravadas no universos dos antigos… O endereço em que essa suspensão se realiza possui registro civil na geografia: o Litoral Norte da ilha de Oahu, mais precisamente numa bancada conhecida por todos nós como Sunset… Naquela direita de complexa formação, os homens separam-se das crianças justamente pela intensidade com que a borda crava na água… Não se trata aqui, deixemos claro, de uma hipérbole do surf de linha, arduamente cultivado nas terras continentais da Austrália…  O surf em Sunset organiza-se de outro modo, seja pela força das águas, seja pela exigência de grande resistência das pernas para execução de cada rasgada ou ainda pela imposiçãoo de uma sensível maturidade para encontrar o tubo, que nem sempre, abre-se no inside…. 
Diriam os mais conservadores que o surf de Michel Bourez foi gestado em barriga de aluguel… Nasceu no Thaiti, mas a sua verdadeira mãe é havaiana… O camarada realiza uma linha tão fluída naquelas veredas que parece ignorar a força das águas… Para mim, Teahupoo é, sobretudo, mais uma praia do Litoral Norte a despeito da enorme distância geográfica que separa Oahu da Ilha Rei; a única bancada no mundo que poderia reivindicar vizinhança à Pipeline, à Sunset e, por que não, à Bahia de ondas enormes…
Hoje, Bourez vê-se ameaçado na elite para o próximo ano porque a troca de guarda no tour obedece à regularidade da vanguarda… Quem não possuir surf acima da linha será, delicadamente, posto de escanteio… Nem concordo, nem lamento o movimento regular dos acontecimentos… Mas surf de raiz não prende ninguém ao passado, mas, isto sim, confere sustentação ao futuro… Não é tarefa difícil imaginar que os pleiteantes ao caneco serão paulatinamente relegados aos poucos minutos de surf de consequência presentes em qualquer filme sobre pranchas e ondas… Em meio aos aéreos com nomes inusitados de jovem tatuados, haverá sempre um Bourez para enfiar sem dó a borda numa parede de dez pés havaianos… E isso, creiam-me, deixa os mais moderninhos, a despeito da palavras de ordem em defesa do porvir, comovidos… Afinal, Sunset com mais de dez pés é capaz de arrancar inumeeros suspiros de admiração de homens de coração frio… 
Há, nessa segunda etapa da Tríplice Coroa Havaiana, dois personagens… O primeiro, Taitiano; o segundo, brasileiro… E o seu nome é Gabriel… Esta bem que Mick ganhou o evento; está bem que um uruguaio residente em Santa Catarina provocou enorme admiração; está bem que o menino com idade legal parece ter provado que a Australia não secou o rio de onde nasceram e ainda nascerão talentos sem fim… Mas, de tirar o fôlego, somente Gabriel… Não me lembro de ter ficado tão perplexo com uma manobra como no instante em que assisti `aquele Floater sem medo do amanhã. Estamos diante de um fenômeno… O modo como tudo aconteceu… vá entender… Sempre acreditei que essa era uma manobra para realizarmos em ondas de fim de semana, na melhor das hipóteses com seis pés de face… Coisa moderna… Mas aí vem o filho do Charles, de costas para onda, sem nenhum instinto de sobrevivência, para lançar-se em Sunset numa aventura que bem poderia ter lhe custado os joelhos…
O mundo, nesse momento, parou….Eu teria dado dez sem culpa ou resignação… Afinal, o inesperado sempre deve valer a nota máxima… O surf de Gabriel naquela onda comprovou, mais uma vez, a tese de que a introdução de uma nova espécie em um ecossistema estranho muda as regras do jogo… Altera-se a evolução natural… O experimento é simples…. Lance um bicho estrangeiro num habitat preservado e a linha natural de seleção dos mais fortes e adaptados em detrimento dos débeis e frágeis sofrerá consequências inimagináveis… O conhecido surf em Sunset jamais será o mesmo porque Gabriel provou ser possível o impossível… O sonho de Darwin em ver preservado Galápagos para que pudéssemos assistir, in loco, a materialização de suas teses não encontra reflexo no surf realizado no Havaii… Isso porque o arquipélago sempre estará aberto a camaradas como Gabriel… E, pasmem, eles são tão poucos que acreditar ser isso um fenômeno recorrente seria uma irresponsabilidade com a realidade. Para mim, o camarada junta-se, mais uma vez, ao seleto grupo de surfistas que sintetizaram escolas, tendências e tradições… Slater, Thompson, Carrol, Irons, Currem, Lopes…


No caso, Gabriel provou ser possível alinhavar o surf de borda e a coragem ao espaço que se abre além da linha da onda… E isso é tão raro como ver um elefante voar…