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domingo, 10 de maio de 2015

Alex Ribeiro e o título do Saquarema Pro 2015

10 de Maio de 2015


De quantas rajadas de vento se faz uma tempestade?

    O momento em que vivem os surfistas brasileiros no cenário competitivo mundial é, para além do que se pudesse imaginar há alguns anos, motivo de atenção. A quantidade de resultados obtidos já seria suficiente para abrir os olhos de qualquer um interessado no universo do surf de competição. As etapas conquistadas pelos camaradas nos últimos anos bem como as boas colocações alcançadas pelos nossos nas etapas, seja do Tour, seja da divisão de acesso, corroboram a tese de que estamos diante de um movimento para lá de consistente… Ao aproximarmo-nos do problema, a surpresa apenas se torna mais evidente à medida que se revelam a diversidade de nomes que impulsionam a tempestade… Gabriel, Miguel, Felipe, Adriano, Alejo, Italo, Wigolly, Alex, Caio… Todos com menos de trinta anos, alguns recém saídos dos limites da maioridade legal… O conjunto, visto à distância, ainda aponta para nomes que, ainda esse ano, podem romper o campo gravitacional que os prendem às margens desse grupo… Lá estão David, Ian, Jesse… Para os incautos, é bom um olho no peixe e outro no gato para que, como eu, não sejam surpreendidos com um resultado expressivo de alguém que, até ontem, não figurava nas listas de favoritos ao título dessa ou daquela etapa, desse ou daquele campeonato…
    A tempestade estende-se e amplia a sua circunferência mais rapidamente do que supunha o mais otimistas dos críticos… 2015, muito além do ano que consagrou Gabriel Medina como campeão Mundial, parece ser o espaço escolhido pelos deuses do surf para anunciar ao mundo o nascimento de uma nova potência capaz de rivalizar em pé de igualdade com a América, a Australia e o Havaii… Das cinco etapas mais importantes de 2015, os brasileiros estavam em todas as finais, ganharam quatro títulos e tornaram-se, aos olhos do mundo, uma das nações a ditar o futuro do surf… Mesmo que muitos ressentidos insistam em defender-se na xenofobia ou na ignorância…

A hora e a vez de Alex Ribeiro…

    Descanso e caldo de galinha não faz mal a ninguém, dizia minha vó entre uma gripe e outra… Por isso, eu confesso a minha dificuldade de apontar um surfista como favorito de uma etapa quando ele não traz consigo um acúmulo de quilometragem capaz de inseri-lo no seleto grupo de pleiteantes ao caneco… Bobagem… Bobagem… Se eu tivesse escutado com ouvidos abertos a alguns comentários nos fóruns especializados, se eu estivesse mais atento a linha de Alex Ribeiro…. eu poderia, muito bem, dizer a minha vó: de gripe, a senhora entende…mas… nem tudo, especialmente o surf brasileiro de 2015, pode obedecer aos seus conselhos sem o risco de tropeçar no próprio cadarço…
    O menino da Praia Grande veio para vencer o Saquarema Pro com um surf de borda tão intenso que parecia ter sido criado em algum point break australiano… Base, lip… Base, lip… Entre um movimento e outro, arcos longos…. muito longos… A velocidade de encaixe das manobras, a fluidez nas esquerdas de Itauna foram conduzidas com tamanha maestria e regularidade que, ao passo do campeonato, éramos levados a acreditar que aquele menino, cujo título mais expressivo até aquele momento foi o caneco de uma etapa na Argentina, poderia, de fato, vencer o segundo Prime da temporada… Sim, eu prefiro chamar o 10000 de Prime… Coisa de gente velha, incapaz de atribuir novos nomes para coisas que permanecem iguais…
Alex ganhou no surf e na cabeça a etapa de Saquarema… A última onda da final contra Jeremy, o melhor surfista do campeonato, revela que a escola brasileira tem formado, além de grandes aerealistas, competidores frios e cirúrgicos… O surf de borda, que emenda uma manobra na outra, é outra característica desse menino, quem parece seguir com atenção os passos de Gabriel, Adriano e Felipe…

Um traço da escola brasileira?

    Anos atrás, Charles Medina concedeu uma entrevista em que afirmava ser fã de Mick Fanning justamente porque ele imprimia muita velocidade em seu surf… Ele, talvez por isso, insistia em terminar uma manobra com o anuncio daquela que se seguia… Uma atrás da outra, uma seguida da outra…Dizia o pai do campeão mundial que não importava ganhar, mas, sim, surfar bonito… Surfar bonito era surfar como Mick… Ao contrário de muita gente, entendida e quem respeito a opinião, esse movimento tão característico do australiano não é, para mim, sinônimo de um surf robótico, maquinal e, pasmem, cansativo… Todos, creiam-me, adjetivos que já ouvi e já li sobre o rapaz durante minhas visitas pelos sites e programas especializados… Para mim como, aliás, é para Charles e muitos outros, o surf encaixado é bonito de doer…
    Pausa….
    No Surf Adventure 2, Sifu, com seu modo curioso de ver o mundo, fez uma declaração sobre as ondas do Leblon bastante arguta… Dizia ele: o Leblon possui a melhor onda do mundo para uma manobra, isto é, para o aéreo… Talvez um dos integrantes do extinto e excelente programa Sériesfecham estivesse, àquele momento, a subverter a lógica reinante para qualificar uma onda, sem nenhuma capacidade de igualar-se às melhores do planeta, como excelente… O movimento argumentativo, apoiado na metonímia, estendia-se para além das praias cariocas e, possivelmente, ambicionava explicar porque o surf aéreo é tão bem sucedido na nossa terra… Onda de uma manobra… consequência: surf acima da linha… Explicação convincente… Todavia, onda ruim, sem longas paredes também exige de quem, sobre a prancha, muita velocidade para aproveitar cada centímetro quadrado livre da espuma…
    Retorno…
    Surfar rápido e, portanto, bonito não é uma exclusividade de quem se alfabetizou com a língua falada nos castelos do norte do Reino Unido… Ainda que a base, vez ou outra, se encontre inconveniente aberta, muitos surfistas brasileiros, entre eles encontramos Alex Ribeiro, surfam como se não houvesse amanhã… Surfam como se tivessem aprendido que, sem velocidade e ritmo, a onda acaba e, com ela, a diversão… Quando essa consciência, encontra longas paredes… Bom… O que temos visto… um estrago…
    Além da surpresa da Costa Rica e do Francês que fala português com sotaque carioca, o menino da Praia Grande, quem conhece o lugar sabe, surfou além da média, bonito e rápido… Não é a primeira vez, não será a última…

Amanhã…  estarei no primeiro dia do Rio Pro… antes de embarcar para uma viagem de trabalho… tomara que a sequência continue a mesma….

terça-feira, 5 de maio de 2015

Ante sala da etapa de Saquarema: previsão e histórias de Itauna...

5 de maio, 2015

Saquarema…


Quando mais jovem, Saquarema era o anteposto obrigatório para quem ambicionava surfar ondas de consequência para além das nossas trincheiras. O relatos de ondulações enormes, da força do mar e, curiosamente, a mística daquela praia que se encontra aos pés de uma igreja povoavam a imaginação de quem conviveu com aqueles camaradas que, em meados da década de 70, transformaram Itauna em sua casa… Acostumado com as revistas especializadas da época de minha adolescência, confesso que Saquarema sempre me remete a um certo sentimento nostálgico, no qual imagens características de um tempo de festivais de rock, cabelos compridos e  pranchas com um raio sobre a longarina associam-se imediatamente…   
Nos anos 80 e 90, a rapaziada que surfava no Rio de Janeiro, independente da idade, apontava os bicos de suas pranchas para Búzios, a cidade do momento… Linda, selvagem, repleta de gente bacana, mas, pasme, com ondas… bem… com ondas legais… A península, quando o assunto era surf, não fazia nenhuma frente à Saquarema… Para a minha geração, sobretudo a de meus amigos… a onda de Itaúna permanecia atrelada às histórias dos mais velhos e distante dos nossos fins de semana… Coisas de adolescente… Vá entender qual a lógica que regula a cabeça de um menino com quase dezoito anos…


Raoni….

O primeiro renascimento de Saquerema para mim ocorreu graças a Raoni Monteiro… Menino de surf nervoso, que trazia consigo uma força nas pernas rara quando comparada a dos camaradas que surfavam entre o Leme e a Prainha, o trecho mais bonito de todo litoral carioca, independente dos prédios, carros e muvuca nas areias… Raoni ganhava tudo e, quando não o fazia, o espetáculo era, invariavelmente, conduzido pela linha agressiva de seu surf… Não sei bem como se iniciou o movimento de vincular a qualidade das patadas do menino à sua formação em Itauna… O fato é que isso aconteceu e, subitamente, já distante do Rio de Janeiro, lancei-me para uma viagem rumo ao litoral carioca… 
As condições daquele feriado, na segunda metade da década de 90, materializaram, em mim, todas as histórias que ouvi e ajudaram-me a compor o imaginário ao redor daquela praia, cuja esquerda revelava-se na gramatura dos 16 mm, plataforma comum aos filmes de surf de um tempo de inocência e grandes feitos… A memória da viagem, contudo, compõem-se de cores fortes, sol a pino, a sensação da areia muito quente e do barulho das séries que quebravam longe, com ondas grandes… O tempo era de urgência e velocidade, o tempo era regido pela sobrevivência no aqui, no agora 
No mar, muitas cabeças disputavam as longas esquerdas que terminavam ocas no inside… O caldo era forte, o pulmão sentia o tempo e a turbulência em abaixo da água… Raoni estava lá… O rei do pedaço, o filho dileto, o surf mais violento daquele dia… A reverência era sentida pelo olhares trocados entre nós a quem assistíamos tudo, de perto, impressionados com a força e a rapidez de cada manobra. As patadas sucediam-se, uma após a outra, a prancha saia inteira e fazia com que as cabeças concentradas na próxima ondulação se voltassem para praia num ritual que se repetiu durante toda manhã…A maior da série era dele… Sempre que subia na prancha, toda arrebentação suspendia a respiração e acompanhava o vai e vem do camarada enquanto todos imaginavam a linha desenhada por ele…
Quando lembro do Raoni, pergunto-me, vez ou outra, quais foram os exatos caminhos percorridos por ele naquelas ondas… Em raros momentos da minha vida, talvez preferisse estar na areia, naquela manhã, do que entre os meus na linha da arrebentação. Enquanto escrevo, o fluxo da memória reflui e, em suspensão, pergunto-me o que, de fato, ocorreu em 2014… Um dia, se tiver chance, perguntarei a ele… O fato é que Saquarema apresentou-me o surf de Raoni, quem sempre será aquele que arrebentou no dia do meu primeiro encontro com a mitológica Itaúna… Desse dia, admiração e a certeza de que o lugar era muito mais do que imaginei…


A era dos campeonatos 
Aos poucos, sem que se fizesse muito esforço, Saquarema voltava para o centro do mundo do surf… As primeiras etapas do WQS ocorridas em Itaúna eram, pelo que lembre, patrocinada pelo refrigerante gasoso mais conhecido do planeta. Até mesmo o retorno ao palco central do universo competitivo trazia consigo o cheiro exalado da década de 70, tempo em que refrigerante era sinônimo de juventude e liberdade… No começo de tudo, as transmissões muito abaixo da média praticada na época eram compensadas pelas longas ondas que , por estranhos caminhos, materializavam na terrinha algo do surf praticado no arquipélago… Pranchas que cortavam longas paredes como manteiga quente faziam a borda protagonista das ações…Diga-se de passagem… O surf acima da linha é, de fato, muito impressionante e ditará a latitude do nosso olhar por muitos anos… Mas, sejamos francos, nada é mais bonito, repito mais bonito, do que um grande arco a desenhar a superfície lisa da ondulação… 
Os melhores lá sempre são capazes de compreender algo da sintaxe característica de um tempo anterior à abertura dos céus para a vanguarda do novo século… Foi assim, é assim e, suspeito, será assim…
O mais impressionante dessa era de enormes palanques e horas dedicadas às transmissões foi a etapa que quebrou tão grande que ninguém possuía prancha com tamanho adequado para enfrentar a ondulação. Ainda posso escutar Ricardo Bocão, orgulhoso, a dizer que aquele espetáculo era Saquarema, que todos deviam saber o poder daquela onda… Ninguém acredita no que via enquanto os antigos moradores daquela vereda batiam no peito e exclamavam aos quatro ventos: isso é Itauna!, isso é Itauna, porra!!!….

A etapa da divisão de acesso, ano base 2015.

O chaveamento desse ano bem como os surfistas presentes anunciam o por vir… Nós teremos um grande campeonato… Muitos são os favoritos para etapa, o que já dimensiona o tamanho do problema… Muitos brasileiros na água, alguns com enormes chances de levar o caneco.. Wigolly e Alejo estão uma cabeça à frente… Os dois parecem feitos para Saquarema, ou seria o contrário? Acredito que eles serão os adversários mais duros a serem batidos pela legião estrangeira… Gosto muito de David do Carmo, embora suspeite que ele ainda tem um longo caminho pela frente até encontrar qual a real vazão de seu surf…. Além dele, Tiago Camarão… Já é hora desse menino ter uma chance no Tour… Tomara, Tomara…
Contra os brasileiros… Dusty, Freedy e Matt… É preciso um olho no gato, outro no peixe… O caminho está aberto.. A história será outra vez escrita… No caso de Itauna, a história poderá, mais uma vez, lembrar ao tempo presente que a linearidade dos acontecimentos pode ocorrer como reposição de um tempo que se forjou nos longos arcos dos rebeldes da década de 70… A conferir…

Ps: Saquarema, para mim, é sinônimo de Raoni Monteiro, surf de borda e onda grande….O resto é imagem decalcada do que, de fato, está em jogo…

  

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Junior Faria ou o tempo revisitado

Junior Faria


   Junior Faria é um caso raro de quem é, ao mesmo tempo, muito bom em uma coisa e excelente em outra. Um dos surfistas mais promissores de sua geração, o camarada bateu na porta do Tour, munido de um estilo para lá de elegante e uma linha não menos admirável. Cansou da competição, ou sentiu que ela não fazia sentido nos moldes em que estava construída… Suponho que pensou isso, sobretudo, quando eu relembro os depoimentos dele frente à questão… Aliás, não foram poucos que se aventuraram em argui-lo do porquê de uma aposentadoria tão precoce… Junior Faria teve todas as condições de viver no WCT… Talvez essa certeza, que é minha e parece-me compartilhada por muitos, nunca tenha convivido bem com a recusa de ele seguir pelo caminho natural de um surfista profissional, cujo primeiro repouso, ainda que momentâneo, ocorre justamente na primeira lufada de ar nos pulmões após entrar na elite…Como sabemos, isso é um feito para poucos, para bem poucos…
   Seja por um caminho, seja por outro, o camarada acabou por seguir o próprio desejo… Sempre tenho a impressão de que esse é o único modo de existir, embora saiba que tal escolha não é fácil… No instante em que esse movimento se faz motivado pela vontade de escrever sobre surf ou, ainda, pela inquietante vontade de explorar todas as dimensões dessa atividade em que homem, prancha e onda se encontram; vislumbramos o risco envolvido… Em tempo de alta competitividade e de práticas mercantis violentas, a escolha de Junior Faria poderia parecer insânia… Mas não foi…. e isso se deve, sobretudo, ao seu imenso talento…
  O primeiro texto que li do camarada traz consigo uma imagem que, enraizada na minha memória, volta e meia torna-se presente e viva… Não lembro ao certo o tema ou o propósito do artigo, mas, em determinada hora, ele descreve, se a memória não me trai, que depois de voltar da escola, logo após assistir a vídeos de surf enquanto almoçava, ele e o irmão rumavam para praia ainda com o gosto de feijão na boca… O gosto de feijão do almoço…  Quem, uma vez adolescente, não lembra dele enquanto a arrebentação era varada?
  Quando morei no Rio de Janeiro, costuma ter essa mesma rotina e, acreditem, o mesmo gosto de feijão na boca antes de surfar… Poucas imagens são mais representativas para quem, brasileiro, já se dividiu, exclusivamente, entre o surf e os estudos do que a lembrança do almoço de todo dia… É preciso muita sensibilidade para captar o fragmento do cotidiano e, ao reduzi-lo a uma única sentença, reverberá-lo para além das fronteiras da experiência pessoal…
  O olhar de Junior Faria, parece-me, observar com certo lirismo, certa saudades as coisas do mundo, principalmente, as coisas do surf… Lá estão as monoquilhas empoeiradas, as praias nunca visitadas, o código de camaradagem…. Paul Valery, crítico e poeta e francês do início do século XX, disse, certa feita: não me interesso por escritores, interesso-me por escritores que tenham um projeto… Para mim, Junior Faria é um raro caso de alguém que escreve sobre surf, mas o faz com tamanha consciência e disciplina que todo texto dele parece reverberar um mesmo sentimento… um mesmo projeto…
  A linguagem é elaborada, português correto, pensado… Estilo refinado de artesão… O temas discorrem sobre algo além da vista, perdido no tempo ou alheio ao fluxo regular das coisas… Sempre aprendo com Junior Faria, sempre aprendo a ver e trazer para o meu tempo aquilo que, muitas vez pelos seus escritos, acreditei estrangeiro do presente… Quando comprei a minha primeira monoquilha, meses atrás, senti uma enorme alegria… Corri para praia, e quis, meio sem jeito, surfar como o camarada cujos textos lançam luz sobre a preservação de um espírito que, para mim, é próprio ao modo pelo qual, eu mesmo, compreendo o surf; isto é, além da indústria, além de vencer ou perder…

Para quem deseja encontrá-lo...
A coluna mensal da Hardcore é um boa pedida...

sábado, 2 de maio de 2015

A bola da vez: Felipe...

No evento do Thaiti, em 2014, Nick Carroll concedeu uma entrevista em que analisava o circuito, os favoritos, Gabriel e a nova ordem do surf mundial, cuja latitude parecia, àquele momento, deslocar-se consideravelmente rumo ao Sul, especificamente para o quadrante do Litoral Norte de São Paulo, Brasil… O Camarada, forte como um touro, discorria com costumeira elegância quando um vatícinio, aparentemente despretensioso, se fez… O texto, se não me trai a memória, organizava-se, mais ou menos, nesses termos: “O Brasil é um país jovem no cenário do surf mundial, Gabriel é o primeiro grande surfista de expressão cujas possibilidades de título são reais e, possivelmente, ele se concretizará nesse ano. Todavia, Gabriel não é o novo Kelly Slater, pelo menos, ainda não é o surfista brasileiro que pode assumir o lugar simbólico ocupado pelo E.T…” Ao que segue: “O grande surfista brasileiro ainda está para aparecer…"
Confesso que, num primeiro momento, senti uma certa arrogância na declaração, por que não um tom de recalque… Afinal, Gabriel promoveu, durante a sua curta e brilhante carreira, a construção de um dos movimentos mais admiráveis a que assisti de corações e mente rumo ao universo do surf; seja no Brasil, seja no mundo. O título de 2014 foi dele porque Gabriel, acredito piamente nisso, é um fenômeno… Como acompanho a trajetória do menino há muito, percebo, hoje distante no tempo, que não fui um bom ouvinte para a análise de Carroll…
Deveria ter desconfiado que o camarada não se põe a dissertar sobre algo de modo leviano… Os textos dele, escritos por mais de duas décadas, sempre foram muito equilibrados, disciplinadamente estranhos a preconceitos e as ondas de euforia da moda…Se não concordo por completo com a entrevista concedida durante o evento mais incrível da história do surf competitivo, isso não significa que não devamos seguir as pistas abertas por Carroll… Com o início da temporada de 2015, tenho, cá com meus botões, posto em suspensão os meus preconceitos, os mesmos que provocaram certa resistência quando da entrevista do irmão de Tom, graças a Felipe Toledo…


A  primeira ondulação da tempestade…


Desde 2008, ano em que conheci Gabriel e Charles, eu suspeitei que aquele menino pudesse ser, um dia, comparado aos grandes. Bastava apenas crescer, ganhar corpo, musculatura… Em tese, o título de 2014 apenas confirmou que estávamos diante de um astro que brilhava num céu sem atmosfera…
A onda impulsionada com o caneco, sonho de, pelo menos, duas gerações de surfistas brasileiros,  logo se fez presente nas praias do nosso litoral… Muitas pessoas, que jamais pensaram em surfar, compram pranchas e equipamento para viverem, numa tarde de fim de semana, um momento de Gabriel Medina… Isso é um feito admirável, ainda mais para um menino de 21 anos…
Ao talento e, sobretudo, ao espírito competitivo do menino, somavam-se certos elementos que ajudaram a impulsionar essa ondulação… O personagem, que comove e comoveu milhares de pessoas através de inúmeras notícias nos grandes meios de comunicação, foi construído também pela relação com o seu pai, treinador e, sobretudo, parceiro fundamental para Gabriel alcançar, em Pipe, o resultado que o inscreveu na história… Se não fosse somente pelo surf impressionante do menino, a comoção ao redor dele ocorreu pelas tonalidades imprimidas pela relação familiar, em especial pelo vínculo entre pai e filho… E isso não deve e não pode ser ignorado quando o ajuste de contas sobre os acontecimentos se fizer… Charles, mas também Simone, foram e são tão importantes para Gabriel como o dez na porta dos fundos de Pipeline…
Quando fui para Peniche, na penúltima etapa de 2014, Charles confessou-me, durante um manhã de treino, que o menino tinha sido aceito pelos donos do poder… E isso não deve ser ignorado… Gabriel é um boa pinta, bom filho, grande surfista, competidor mortal… A criatividade de outros tempos, todavia, foi paulatinamente substituída por uma força descomunal nas manobras de borda, possivelmente uma adequação ao modo anglo-saxão de encarar o surf… Gabriel surfa, hoje, cada vez mais próximo à sintaxe compreendida pela bancada de julgamento do tour… Talvez ele tenha apreendido algo com Adriano… O talento do Gabriel é imenso, e a rapidez com que apreende deveria ser objeto, algum dia, de uma análise mais apurada…
O fato é que 2015 se iniciou em outro diapasão para o atual campeão mundial… Para mim, algo compreensível… ele voltará, e quando isso acontecer, a força de sempre se fará sentir… O problema, agora, diferente dos eventos que antecederam ao título de 2014, será o convívio com a mitologia que cerca o seu amigo e companheiro de longa data, Felipe Toledo… O adversário de Gabriel, aquele que o incomodará nos anos por vir, não será, como se espera, João João… O filho dileto do arquipélago, contraponto natural ao herdeiro de Charles, não me parece ser o competidor que irá tirar o sono do atual campeão… Esse fardo, ao que tudo indica, será carregado por Felipe Toledo. Isso porque João João, gênio do surf, futuro campeão mundial, representante legítimo do mundo sonhos, não é brasileiro… e isso, por incrível que pareça, configura uma outra densidade a questão… Felipe, por sua vez, nasceu nessas veredas, extremamente criativo, treinado pelo Ricardo, seu pai, e muitíssimo respeitado por seus pares… As semelhanças, nesse caso, não são conforto, mas, sim, resultantes de um possível e incontornável incômodo comparativo… Conhecendo algo de Gabriel…. uma batalha se anuncia… Uma batalha que nunca será capaz de por em risco a amizade entre eles, ainda que essa disputa possa determinar quem é quem na história do surf nacional em particular e no mundo competitivo no geral… A conferir…

A nova onda vem de Itamambuca…


No mundo do surf competitivo, os brasileiros ainda serão, durante muito tempo, brasileiros… Sejamos francos, isso já é o bastante para que nos lancemos, a cada bateria, com sangue nos olhos e faca nos dentes… O handicap é sensível… Não o ignoremos, mas também não façamos disso uma bandeira… é possível que o sentimento de grupo tenha nascido dessa consciência… Embora os meninos sejam solidários entre si, amigos de longa data e, por isso, compartilhem um sentimento comum de trincheira… Eles querem tomar o circuito; entretanto, apenas alguns deles conseguirão essa proeza… Essa a ordem do jogo e não será a nacionalidade que mudará as suas regras…
Ainda somos vistos, embora isso tenha mudado um pouco nos últimos anos, como penetras de uma festa fechada… Gabriel foi o primeiro a entrar, de fato, nesse baile com convite VIP… mas, suspeito, não será o único…
Felipe Toledo é a bola da vez e, de algum modo, o menino possui certos elementos comuns a Gabriel; seja no surf, seja na maneira como a família entremeia-se na sua carreira .. Entretanto, coisas em comum, caso sejam analisadas com cuidado, por vezes, se dissolvem para, depois, se constituírem em profunda diferença… Grandes surfistas, pois, tem sempre uma característica em comum: eles não são cópias de ninguém porque, se de fato grandes, eles são únicos…
O ano de 2015 é o endereço onde Felipe começa a voar, exclusivamente, com as suas asas… O filho do Ricardo não é mais um dos representante do Brasiliam Storm, o filho do Ricardo agora é um dos surfistas mais impressionantes em atividade… e isso não é para todo mundo, não mesmo…
Para ser claro, o surf de Felipe provocou mais estragos, nos últimos dois meses, no imaginário do universo de competição do que qualquer evento provocado por outro surfista brasileiro até aqui… Exceção feita aos realizados por Gabriel… Felipe é hoje uma unanimidade… Para mim, para Slater, para os comentadores do Tour…. e para quem mais estiver por essas bandas… Algo admirável… A razão disso… talento puro unido a resultados expressivos… 
A rapidez com que Felipe surfa, o modo com que une uma manobra a outra, a beleza do seu estilo e a inventividade de suas manobras acima do lip são requisitos suficientes para que pudéssemos enxergá-lo como um fora de série… Se somarmos a isso os resultados obtidos nos últimos dois meses e, sobretudo, o modo que se impôs na costa dourada bem como na bancada de São Clemente; poderíamos conferir-lhe a alcunha de fenômeno…  A exclusividade de Gabriel agora é compartilhada por um outro surfista brasileiro, tão ou mais impressionante do que ele é… Não precisaríamos nem mesmo lembrar que o menino tem somente 20 anos… No caso, o único surfista do tour com chances reais de ser o mais novo campeão mundial da história… 
Muitos dizem que ele ainda tem muito a provar em ondas de consequência… Para mim, as próximas etapas podem ser, efetivamente, uma surpresa para quem lhe atribuiu certa suspeição em condições pesadas… ele está pronto, basta recordar de sua atuação em Pipe…  


O triângulo do surf brasileiro não é equilátero…


Adriano é o surfista a quem espero assistir campeão mundial. Merece e ponto… Todavia, não foi e, suspeito, jamais será aceitos pelos homens que dirigem o negócio. Não possui áurea de um surfista extraordinário, mas, sim, de um competidor voraz… E esse traço, quando falamos de competição, não pode ser ignorado… 
O relaxamento de Gabriel abriu um vácuo para a consolidação de Felipe… Relaxamento que pode custar caro para o menino de Maresias…
Felipe, bem… A apresentação em Trestles como aquela ocorrida na primeira etapa do Tour de 2015 não deixam dúvidas… O melhor surfista do campeonato venceu, convenceu e ninguém em sã consciência duvida disso… O curioso é que nunca atribuímos a ele a adjetivação de grande competidor, de exímio estrategistas… Felipe é talento puro em explosão… Ninguém no mundo surfa ondas entre três e cinco pés como ele… Até pouco tempo, os fóruns especializados apontavam a suas fraquezas competitivas e lamentavam derrotas em baterias ganhas, ora porque ele escolheu mal as ondas surfadas, ora porque não soube administrar os trinta minutos… Quando nenhuma luz se faz…. Convidamos Derek Hynd para sentar na mesa… ranzinza, é claro… mas sempre lúcido… Leio e escuto com muita atenção o caolho… Pois bem, Derek Hynd declarou sobre a vitória na Costa Leste: “O impacto do surf de Toledo nessa etapa é similar ao impacto que senti quando assisti ao jovem Currem”… Derek, Curren e Felipe numa mesma sentença já é suficiente para dimensionar o estrago que o filho de Ricardo é capaz de promover… 
Eu não duvido que Gabriel ainda fará muito em sua carreira, um monstro… Entretanto, se a guarda baixar, a entrevista de Nick no Thaiti poderá ser o mais significativo prenúncio que testemunhei a respeito do surf competitivo… Numa época em que muitas verdades consolidadas têm sido desmontadas, eu nada sei dizer muito sobre o futuro… Mas, ao assistir a etapa deTrestles, uma coisa eu sei… Felipe está, entre nós, para escrever a história… Qual será a dimensão dos seus feitos? Basta olhar para o aqui e agora a fim de saber que ela não parece ter limites físicos…

Ps: Alejo não perdeu aquela bateria nem Trestles, nem na China….